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Especialista em recursos hídricos visita Eixo Leste e aponta falhas na execução apressada da Transposição

 

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Após visitar no domingo (19) todo o trecho do Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco que vai da quinta estação de bombeamento (EBV 5) ao deságue no rio Paraíba na zona urbana de Monteiro, passando pela EBV 6, o Professor Francisco Jácome Sarmento concluiu: “A situação geral é pior do que me relatavam”.

A pedido do blog, ele fez um relato detalhado de que tudo o que viu, fotografou e ouviu sobre como se encontram as bombas, os canais e barragens construídos em todo o percurso. É no mínimo preocupante o que Sarmento revela com autoridade de quem é, acadêmica e profissionalmente, um dos maiores especialistas do Brasil em recursos hídricos.

Acompanhe a seguir as constatações e impressões do Professor Francisco Sarmento. Confirmam o que ele dissera ao blog anteriormente de que foi feito todo um esforço para inaugurar o Eixo Leste sem a obra dispor dos instrumentos e serviços que dariam efetividade, regularidade e força ao curso d’água para alcançar, por exemplo, o quase esgotado açude de Boqueirão que abastece Campina Grande.

Bombas

Na EBV-5, das quatro bombas prevista foram instaladas duas. Ambas estavam desligadas. Indaguei ao funcionário a razão e a resposta foi risível: “O operador tirou folga”. A obra física (obra civil) da estação de bombeamento está realmente concluída. Essa EB eleva a água para um aterro com mais de 30 m de altura localizado logo atrás do prédio da estação.

No topo desse aterro são visíveis vários afundamentos que demandarão recuperação. Os taludes do aterro não estão protegidos, pois falta executar a camada de rochas que evita que a própria chuva provoque erosão naquele corpo de terra. Na situação em que se encontra atualmente, deve-se realmente rezar para que não chova (isso é um dilema) pois mesmo uma chuva de intensidade mediana poderá levar a sérios danos.

Na EBV-6 deveriam haver, assim como na EBV-5, quatro bombas instaladas. Das duas que lá se encontravam, uma apresentou problemas e foi remetida para o fabricante nos EUA para reparos. A restante estava em funcionamento. Mas também bombeando para o trecho em canal, localizado no topo de outro aterro absolutamente desprotegido dos potenciais efeitos erosivos que qualquer chuva pode causar. Ou seja, com as mesmas vulnerabilidade constatadas na EBV-5.

Canais

Há vários trechos com placas de revestimentos rompidas, inacabadas, em estado verdadeiramente precário. Mas isso não é o mais grave. Nenhum desses canais no trecho visitado (da EBV-5 até o deságue em Monteiro) apresenta qualquer sistema de drenagem executado. O sistema de drenagem se presta principalmente a evitar que, com as chuvas, a terra desça com a água e provoque assoreamento no canal ou eroda seus aterros e demais partes exposta. Além disso, falta executar praticamente toda a proteção de rochas ao longo dos trechos em aterro. Ou seja, a precária situação de vulnerabilidade à erosão possível de advir, caso chova (verificada nos aterro existentes logos após as EB’s, conforme acima mencionado), se estende também ao longo das dezenas de quilômetros de canais até o deságue em Monteiro.

Nos trechos em que os canais encontram os lagos das barragens que permitem transladar os vales (no trecho visitado, barragem Barreiro, Campos e Barro Branco) há ainda comportas a serem instaladas no emboque do canal. Além disso, conforme informei anteriormente, o sistema de operação e controle, que permite comandar propriamente o projeto (acionando comportas, controlando níveis d’água nos canais e nas barragens, etc.), sequer foi licitado. Tampouco o sistema de Operação e Manutenção da obra.

Igualmente indefinido está, no plano institucional, qual será o órgão que comandará a operação do sistema, seja o Eixo Leste, seja o Eixo Norte. Mas isso é outra história

Barragens

Conforme divulgado na imprensa, a barragem existente entre a EBV-5 e a EBV-6 (barragem Barreiro) se rompeu poucos dias antes da inauguração promovida pelo Presidente Temer. Os estragos continuam lá e não serão concertados rapidamente. Certamente levará tempo, pois o cenário não permite dizer se a erosão destruiu o maciço de terra a partir da fundação ou a partir da interface com o muro de concreto que separa o maciço de terra da parte onde se inicia o sangradouro.

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Sarmento mostra buraco na parede da barragem (Foto: Francisco Sarmento)

A própria investigação não será tão rápida e, até que se saiba o que aconteceu, não se poderá prever quando a barragem poderá receber água para que o Eixo Leste opere normalmente. Atualmente, o nível de água dessa barragem é ditado pela cota em que a ruptura da parede ocorreu e essa cota é tão baixa que estão executando escavações com explosivos na margem do lago para que haja profundidade suficiente para que as bombas flutuantes possam continuar funcionando.

Após a EBV-6 há ainda duas outras barragens: Campos e Barro Branco. Para minha surpresa constatei que ambas foram acometidas do mesmo problema que levou à ruína parcial da barragem Barreiro. No caso de Barro Branco, a gravidade das infiltrações obrigou a execução emergencial de um “engordamento” da parede da barragem onde o problema surgiu. A execução emergencial levou ao deslocamento do muro de concreto da comporta da barragem. Em Campos, conforme dito, também ocorreram problemas dessa natureza e foram usadas proteções feitas com camadas de rochas.

Como consequência disso, as três barragens (Barreiro, Campos e Barro Branco) não podem ser enchidas até o nível operacional normal. Para contornar o problema foram deslocadas as bombas doadas pelo governo de São Paulo, que se encontravam auxiliando na então inconclusa EBV-4 (não visitei essa EB nesse ida de ontem), para que possam fazer o bombeamento complementar nas barragens de Barreiro e Campos. Ocorre que esse conjunto de bombas, tendo que atender aos dois reservatórios, foi dividido em dois grupos, reduzindo assim a quantidade de água que chega ao rio Paraíba. O volume de água que desemboca em Monteiro é da ordem de apenas algumas dezenas de litros por segundo, ou seja, um montante hídrico ínfimo comparado não apenas com a capacidade do Eixo Leste, mas com a própria severidade da crise atualmente vivenciada exige.

Recuperação Ambiental

Por onde se transita, ao longo da obra, veem-se montanhas e montanhas de material oriundo das escavações que deverá ser remanejado para locais devidamente autorizados pelo órgão ambiental (Ibama) para que se tenha um mínimo de recomposição da paisagem que, como dito, ratifica tratar-se de uma obra inconclusa. Uma analogia: é mais ou menos como um edifício em fase de conclusão onde todo o entulho ainda se encontra nos vários pisos construídos.

 

Montanhas de entulhos permanecem na área da obra (Foto: Francisco Sarmento)

As principais conclusões em relação ao constatado diretamente em campo são:

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  • É imprevisível o prazo para que o Eixo Leste efetivamente possa funcionar transferindo volumes de água suficientes para aplacar a crise hídrica vivenciada na bacia do Rio Paraíba e entorno. 
  • A população, que festeja efusivamente a pequena lâmina de água que transita nos canais no trecho visitado, não tem nenhuma percepção dessas anomalias nem dos risco que envolvem essas barragens, à exceção de alguns mais esclarecidos, dentre as várias pessoas com quem conversei, que estranham a presença das bombas instaladas em flutuantes (nas barragens de Barreiro e de Campos), a que chamam “gambiarras”.
  • É inevitável a conclusão de que, nos últimos meses, a execução da obra foi ditada pela orientação de fazer a água chegar, deixando-se de lados serviços importantes, como execução dos sistemas de drenagem dos canais, proteção de taludes de aterro, instalação e operacionalização de comportas de controle das barragens e seu enchimento lento, concomitante áa observação do comportamento das mesmas, como mandam as normas de segurança etc.
  • Em outras palavras, o que está lá é tão precário que bastou uma semana de funcionamento para que as improvisações impusessem uma drástica redução na vazão transferida.
  • Temo que o trecho não visitado não esteja em condições diferentes, pois, como a EBV-5 estava inoperante, certamente todas as demais, desde o São Francisco (lago de Itaparica) – EBV-1, EBV-2, EBV-3 e EBV-4 – também se encontrem desligadas (conclusão óbvia, pois, caso contrário a água “empossaria” na EBV-5 fazendo transbordar (mais uma vez) os canais.

Por fim, gostaria de explicar que, entre o segundo semestre de 2016 e até bem pouco tempo, quando indagado por jornalistas sobre a solução para a crise hídrica na Paraíba, sempre respondi que nos restava apenas rezar, pois a transposição não chegaria a tempo.

Em setembro do ano passado, essa certeza aumentou com o recebimento de fotos que me foram enviadas por um amigo. O estágio então retratado não permitiria ao técnico mais otimista acreditar que a obra viesse a ser concluída a tempo.

Depois dessa visita, percebo claramente que os executores da obra trabalharam nesse intervalo não com o objetivo – impossível de ser alcançado – de concluí-la, mas sim de fazer a água chegar de qualquer maneira ao destino, na data politicamente estabelecida.

Espero que a obra seja de fato concluída e que possamos contar a sustentabilidade operacional do Eixo Leste, e em 2018, com o Eixo Norte, para o bem de todos, pois não há alternativa para milhões de pessoas que esperam por isso.

Em anexo, algumas fotografias que documentam a viagem, dentre elas o “buraco” deixado pela ruptura da barragem Barreiro, as bombas flutuantes do reservatório Campos (foto com módulos azuis). Tenho cerca de 100 fotos se precisar de alguma específica, basta informar.

 

Com  Francisco Sarmento

O Pipoco

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