Por que as eleições presidenciais do Irã são tão importantes para o mundo?
Os iranianos vão às urnas nesta sexta-feira para eleições presidenciais em que Hassan Rouhani busca se reeleger. O clérigo moderado de 68 anos que negociou um acordo nuclear histórico com potências mundiais em 2015 compete contra três outros candidatos. Seu principal opositor é Ebrahim Raisi, de 56 anos, um clérigo linha dura e ex-promotor que mantém relações próximas com o líder supremo aiatolá, Ali Khamenei.
Todo presidente em exercício tem sido reeleito no Irã desde 1985, quando o próprio aiatolá Khamenei ganhou um segundo mandato. Ele votou poucos minutos depois que as urnas foram abertas às 8h desta sexta-feira do horário local (às 24h30 em Brasília). “Todo mundo deveria votar nesta importante eleição”, disse. Já Hassan Rouhani votou uma hora depois.
O Irã tem 54 milhões de eleitores. Se nenhum candidato acumular mais de 50% dos votos, haverá um segundo turno na próxima semana.
Seis candidatos foram aprovados para concorrer, mas dois retiraram a candidatura esta semana. O primeiro foi o prefeito linha dura de Teerã, Mohammed Baqer Qalibaf, que prometeu apoio a Raisi. Em seguida, o vice-presidente Eshaq Jahangiri, um reformista, saiu da corrida para abrir caminho para Rouhani.
Conheça abaixo cinco pontos importantes para se entender as eleições no Irã.
1. Interesse ao mundo
O Irã é um ator importante no Oriente Médio. Devido ao seu programa nuclear e ao apoio aos governos liderados pelos xiitas no Iraque e na Síria, as potências mundiais veem Teerã como parte do problema e da solução para os desafios da região.
Essas relações e a conduta do programa nuclear podem mudar de acordo com quem se tornar presidente, uma vez que a política nacional iraniana trava uma luta de poder entre conservadores e reformistas/moderados. No entanto, de certa forma, o resultado da eleição pode ser visto sem tanta importância, porque o poder de fato reside no líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei.
Além disso, o presidente moderado Rouhani foi quem convenceu o conservador aiatolá a dar sua benção ao acordo nuclear que limita o programa iraniano e impede que o país desenvolva uma bomba atômica.
Portanto, se um presidente mais conservador chegar ao poder, a possibilidade de se cancelar o acordo dependerá da avaliação do líder supremo, que, por sua vez, depende da ação das potências de cumprir o acordo ou de manter as vantagens que o Irã pode tirar da suspensão das sanções.
Já o apoio do Irã ao governo sírio não está em discussão. Não se esperam mudanças nesta área. A única diferença pode ser que uma administração reformista ou moderada tenha mais chances de ter um rosto internacionalmente legítimo na questão do apoio ao presidente sírio, Bashar al-Assad.
Também não se esperam reformas políticas. Independentemente de quem ganhar as eleições, o trabalho será dificultado pelas estruturas de poder nas mãos de conservadores, como o Judiciário e o aparato de segurança.
Assim, é difícil apostar em melhorias em áreas como direitos humanos, da liberdade de expressão política e dos meios de comunicação.
2. O Irã tem uma mistura de sistemas políticos
O Irã é frequentemente visto como uma teocracia islâmica, mas é uma mistura de diferentes sistemas políticos, incluindo elementos da democracia parlamentar.
Há dois blocos majoritários no parlamento, mas o poder está nas mãos dos conservadores, que não são eleitos e que tentam, sem êxito, parecer neutros. Em última instância, eles decidem o quanto de liberdade política e social querem permitir.
As instituições de poder estão compostas essencialmente por pessoas eleitas por votação ou nomeadas pelo líder supremo. Aquelas com membros nomeados são lideradas por conservadores. Já as compostas por indivíduos eleitos – o governo, o parlamento e os conselhos locais – mudaram de mãos entre conservadores e moderados ao longo dos anos.
O gabinete do presidente e o Poder Executivo podem ser reformistas/moderados, e têm sido assim nos últimos quatro anos com Rouhani no posto. Seu principal rival à presidência é o candidato conservador Ebrahim Raisi, uma figura relativamente desconhecida, mas poderosa no sistema religioso e judiciário.
Muitos iranianos aprenderam a aceitar as limitações de qualquer administração em promulgar reformas significativas. Os iranianos tendem a julgar seu presidente com base no que ele pode mais ou menos alcançar dentro da estrutura existente, que não é insignificante.
3. As eleições serão livres e justas – com limites
Mesmo que qualquer um possa se registrar como candidato, apenas alguns são aprovados. Ninguém pode concorrer sem a aprovação do Conselho Guardião, que é uma instituição não eleita e bastante conservadora.
Uma vez formalmente aprovados a concorrer, eles ganham acesso igualitário às plataformas de mídia do Estado durante a campanha. E as eleições decorrem de forma livre e justa – com a exceção das eleições de 2009, quando o regime foi acusado de favorecer o conservador linha dura Mahmoud Ahmadinejad.
Na ocasião, a reeleição de Ahmadinejad provocou a maior onda de protestos no Irã desde a Revolução Islâmica em 1979. Mas o aiatolá Khamenei insistiu que o resultado era válido e determinou uma violenta repressão de partidários da oposição.
Embora o processo eleitoral pareça restritivo e não democrático, os iranianos continuam indo às urnas, mesmo críticos pedindo que eleitores fiquem em casa no dia das eleições. Esse pedidos são geralmente sufocados pelas campanhas nas mídias sociais de candidatos e seus apoiadores.
A tolerância do Estado ao uso das mídias sociais aumenta consideravelmente durante a temporada eleitoral. O próprio Estado se torna mais tolerante, aberto, transparente e espontâneo quando precisa garantir que a participação dos eleitores permanece elevada.
A menor participação em eleições presidenciais foi de 51%; e a maior, de impressionantes 85%.
4. Não há mulheres na presidência, mas elas têm presença política
O Irã já teve vice-presidentes mulheres, ministras, parlamentares e membros do conselho, mas até agora não houve nenhuma mulher a chegar à presidência. A lei não exclui mulheres de serem candidatas de forma explícita, mas o Conselho Guardião nunca permitiu que uma mulher fosse candidata.
Os direitos das mulheres ainda têm um longo caminho a percorrer no Irã em termos legais, mas não é tão ruim como muitos ocidentais pensam.
Os véus obrigatórios para as mulheres afetaram a percepção internacional dos direitos das mulheres. No entanto, isto também serve ao paradoxal propósito de permitir que mulheres com poder sejam aceitas em uma sociedade patriarcal.
Outros assuntos relevantes aos direitos das mulheres – como aborto, violênica doméstica, desigualdade legal e discriminação – nunca fizeram parte da campanha presidencial, não importando o quão perto possam estar dos corações de muitos iranianos mais educados e seculares.
As mulheres figuram de forma proeminente no discurso político do país, e nenhum candidato ganha eleições se mostrar desapreço pelas mulheres ou ignorar suas demandas.
Uma vez no poder, os presidentes têm alguma margem para ajudar a melhorar os direitos das mulheres ao elaborar projetos progressivos para serem apresentados ao parlamento. Presidentes reformistas tentaram fazer isso.
5. Os eleitores estão interessados em temas comuns
A frase “É a economia, estúpido” aplica-se tanto ao Irã quanto a qualquer outro lugar. Os iranianos não são muito gentis com candidatos que não pareçam estar melhorando seus padrões de vida, não importando o quanto avancem em outros sentidos.
A situação econômica importa tanto quanto a liberdade política e os direitos humanos, temas valorizados pela classe média progressiva; ou a fé e os valores familiares, apoiados pelos eleitores rurais mais conservadores.
A corrupção vem como a segunda questão mais importante, e muitos acreditam que ela está relacionada com a má gestão econômica.
O acordo nuclear também é importante para os iranianos, mas apenas na medida em que eles percebem isto como necessário para melhorar sua qualidade de vida.
Entretanto, os benefícios econômicos com o alívio do embargo – o ponto chave do acordo para o Irã – são bastante discutíveis. É esta discussão que Rouhani precisa ganhar se quiser permanecer por um segundo mandato.