Seca de 2012 a 2017 no semiárido foi a mais longa na história do Brasil
A seca que castigou o semiárido brasileiro de 2012 a 2017, em especial o sertão do Nordeste, foi a pior da história já registrada no Brasil, aponta levantamento do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) obtido com exclusividade pelo UOL.
Desde quando começou a série histórica no século 19, em 1845, nunca havia acontecido um período de seis anos consecutivos com chuvas abaixo da média e estiagem prolongada na região, que normalmente já possui um índice pluviométrico reduzido em comparação com outros lugares do país –por lá costuma chover entre 200 e 800 milímetros em um ano normal, dependendo do lugar (leia mais abaixo).
Em 173 anos, houve oito períodos de seca prolongada na área de abrangência do que hoje é chamado de semiárido brasileiro. Fora estes períodos, houve diversos anos de seca intensa, mas sem sequência de anos.
Por quatro vezes foi registrado um período de seca de cinco anos consecutivos: no final do século 19 (de 1876 a 1880), no início do século 20 (de 1901 a 1905), de 1929 a 1933 e de 1979 a 1983. Fecham a lista das estiagens que duraram mais de um ano os biênios 1955-1956 e 1997-1998 e os quatro anos de 1990 a 1993.
A boa notícia é que os modelos meteorológicos disponíveis indicam que a seca prolongada acabou e deve chover acima da média na região ao longo deste semestre. “Desde janeiro, chove forte no sertão nordestino e no semiárido como um todo”, afirma Expedito Rebello, coordenador de Meteorologia Aplicada do Inmet.
“Em fevereiro, a tendência tem sido mantida e os modelos meteorológicos indicam chuvas intensas também para março, abril e maio, quando o período chuvoso chega ao fim no semiárido. Chuva no sertão, historicamente só de dezembro a maio, a partir daí já não cai uma gota do céu”, diz Rebello.
“Todos os anos costuma chover alguma coisa na região do semiárido. O problema é que chove tão pouco que, quando chove abaixo da média, acontece a seca. Foi o que ocorreu de 2012 para cá”, afirma o especialista.
“As secas são um fenômeno cíclico e natural no nosso semiárido, existem desde sempre e invariavelmente estão associadas a fenômenos climatológicos complexos”, afirma o pesquisador. “Em 2017 e 2016, ocorreu o fenômeno da seca verde, que é quando começa a chover, verdejam os campos e matas, mas em poucas semanas para e tudo começa a morrer de novo.”
Ele conta que, na seca que durou de 1929 a 1933, começou a migração maciça de populações do interior do Nordeste para os Estados do Sudeste. Só em 1970 aconteceu a primeira seca em que não morreram flagelados de fome ou sede.
“Hoje a seca atinge menos gente do que em meados do saéculo passado”, explica o pesquisador. “A tecnologia, o desenvolvimento econômico e social e o aparato de assistência social são muitos mais sofisticados. As pessoas sofrem menos.”
A parte do território nacional que sofre com as secas é chamada de semiárido. O perímetro foi delimitado pelo Ministério da Integração Nacional em 2005 –em substituição ao conceito de Polígono das Secas criado na década de 1950– e inclui 1.189 municípios, ou cerca de 20% das cidades brasileiras.
Além da maior parte de todos os Estados do Nordeste, fora o Maranhão, a área que abrange 18% do território nacional inclui ainda porções do norte de Minas Gerais e do Espírito Santo. Em comum, esses lugares possuem uma precipitação pluviométrica anual inferior a 800 milímetros, risco de seca maior que 60% ou índice de aridez de até 0,5 de acordo com uma escala específica.
Como comparação, Brasília, que tem períodos bem secos, tem uma média anual de cerca de 1.450 milímetros de chuva, segundo o Inmet. Em Manaus, uma das capitais mais úmidas do país, costuma chover cerca de 2.300 milímetros em média em um ano normal.
Uma característica no clima no interior do Nordeste, explica o meteorologista do Inmet, é que as chuvas acontecem de maneira concentrada e aleatória.
O tipo de nuvem que se forma na região são os cumulus nimbus: muito pesados, baixos e desgarrados uns dos outros. Isso faz com que a ocorrência de chuvas seja aleatória, chova em uma área pequena e em outra ao lado não. Diferentemente das chuvas provocadas por frentes frias, como no Sudeste, em que, conforme a frente avança, chove por toda a extensão sob ela.
Outras questões são a presença de serras e chapadas que retêm o fluxo das nuvens baixas e o fato de chover muito intensamente em um período muito curto do ano. Isso não é bom para as plantações e criações de animais, além de acabar tendo o efeito de lavar o solo seco com as enxurradas e deixá-lo cada vez mais pobre.
A explicação da meteorologia para a seca prolongada é uma sequência de fenômenos complexos combinados. Os dois principais que influenciam a região são o El Niño e o Dipólo do Atlântico. Sempre que ocorrem as secas, geralmente são associadas a um aos dois fatores.
As secas que assolam o que hoje é o semiárido brasileiro são um problema histórico. O coordenador de Meteorologia Aplicada do Inmet lembra que o primeiro registro histórico de seca intensa no interior do Nordeste data de 1583, poucas décadas após o descobrimento do território brasileiro pelos portugueses.
Está registrada nos livros de história a promessa de Dom Pedro 2º de “vender até a última joia da coroa” para acabar com o flagelo das pessoas no interior do Nordeste. O rei do Brasil ficou horrorizado com o que viu no ano de 1877 em uma viagem ao Nordeste. A história, contudo, não registra que as joias tenham sido vendidas para ajudar os flagelados. Relatos da época dão conta de meio milhão de pessoas mortas de fome. Nessa época já acontecia o êxodo rural maciço que marcaria a região até o início deste século.
Nos anos 1980, durante uma seca brava, o ditador do regime militar então vigente, João Figueiredo, declarou que só restava rezar para chover.
Em 2001, durante outra estiagem brava, foram registrados pela última vez saques e desordem civil generalizada em cidades do interior nordestino por causa da seca. A população faminta e sedenta vinda dos campos invadia as cidades e fazia arrastões em supermercados, feiras, caminhões, armazéns e prefeituras. A edição do dia 10 de julho de 2001 do jornal “Folha de S. Paulo“, por exemplo, informa casos de saques, protestos e desordem no Rio Grande do Norte e em Pernambuco.
Nas contas do professor Natalício de Melo Rodrigues, doutor em geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, ao todo foram 128 anos de seca no interior do Nordeste do século 16 até 2015. Além dos dados do Inmet, Rodrigues usa relatórios da extinta Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), agências estaduais, relatos históricos, referências na literatura e cartas de padres, entre outras fontes, para chegar aos números de seu estudo publicado na internet.
Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e a criação de outros mecanismos de auxílio, como o seguro-safra, seguro-defeso e a aposentadoria rural, inexistentes ou insipientes no século passado, fazem com que hoje ninguém mais morra de fome no sertão, mesmo em meio a estiagens que inviabilizam a produção rural de subsistência.
Em contrapartida às secas, na série histórica de 173 anos do Inmet, foi registrada apenas uma sequência de anos com chuvas acima da média na região: de 1972 a 1976. Outros anos chuvosos foram 1870, 1897, 1985 e 2009, o último que choveu acima da média no sertão antes da estiagem que começou em 2012. “Agora 2018, se as previsões se confirmarem, tem tudo para entrar na lista dos anos chuvosos”, diz o coordenador.