Trump jamais teve em suas negociações um adversário como Kim Jong-un
O presidente Donald Trump pensava em ocupar posição central em uma negociação nuclear decisiva pelo menos desde a metade dos anos 80, quando tentou, sem sucesso, convencer o governo Reagan de que este precisava de um empresário nova-iorquino do ramo de imóveis no controle das negociações nucleares com a União Soviética.
Em 1989, em uma conversa com o homem que cuidava dessa função para o presidente George Bush, Trump ofereceu um conselho de negociação: chegue tarde, espete o dedo no peito do adversário e o insulte com um palavrão vulgar, ele recomendou a Richard Burt.
Agora, Trump enfim tem uma negociação nuclear a conduzir, não com os russos mas com um líder norte-coreano que tem metade de sua idade: o instável e repressivo Kim Jong-un.
Mas na conferência de cúpula da terça-feira (12), parece certo que Trump não seguirá sua recomendação sobre como conduzir as negociações, que envolvem um arsenal nuclear muito menor mas de certa forma mais assustador, devido à imprevisibilidade da Coreia do Norte, do que aquele que ameaçava os Estados Unidos na era da Guerra Fria.
Trump chegou a Singapura levando ofertas de um tratado de paz, representação diplomática americana em Pyongyang e assistência econômica, o que inclui redes de fast food, para a Coreia do Norte, em lugar de ameaças e cutucões.
E, apesar de todas as suas bazófias sobre sua habilidade como negociador, Trump jamais esteve diante de um adversário como Kim, um ditador impiedoso que encarcerou muitos compatriotas em brutais campos de prisioneiros e decretou a exceção sumária ou mesmo o assassinato de rivais.
Ele também jamais participou de uma negociação na qual o fracasso acarretasse riscos tão graves.
O mesmo vale para Kim, que até este ano jamais havia se reunido com outro líder mundial ou viajado para fora de seu país como chefe de Estado.
No entanto, ele estará cercado de assessores que vem desgastando os Estados Unidos em uma sucessão de impasses que já dura décadas.
Tanto o pai quanto o avô de Kim, em acordos que surgiram a partir de 1994, concordaram em abandonar as ambições nucleares da Coreia do Norte em troca de assistência, do fornecimento de energia, e da reintegração de seu país ao mundo. Todos esses acordos nasceram em um clima de grande esperança mas terminaram fracassando.
A maneira pela qual Trump e Kim —dois homens que têm dificuldades para controlar o ego e não aceitam mostrar fraqueza— interagirão é o maior drama da conferência de cúpula.
Ao longo dos últimos 12 meses, os esforços de ambos para ganhar influência mostraram que eles estão dispostos a ameaçar ações extremas a fim de conseguir o resultado que desejam.
Trump ameaçou usar “fogo e fúria” contra a Coreia do Norte e “destruir totalmente” o país.
A Coreia do Norte, que já demonstrou ter resolvido o problema de combinar ogivas nucleares a mísseis, alertou em novembro que havia testado com sucesso um míssil “com uma ogiva pesada e ultragrande, capaz de atingir alvos em todo o território continental dos Estados Unidos“.
A despeito de toda essa retórica belicosa, que inclui a troca de insultos pessoais, os dois homens parecem determinados a declarar o sucesso de sua reunião, por mais vagos que sejam os resultados.
Trump e Kim estão pesadamente investidos, diante de seus cidadãos, em declarar um resultado positivo, ao menos em termos pessoais, deixando os detalhes a outros.
E ambos sabem que é altamente improvável que o encontro resolva suas diferenças quanto às armas em si, o que pode ser motivo para que seu foco seja um acordo de paz que poria fim ao armistício declarado 65 anos atrás e permitiria que eles repetissem a retórica exageradamente otimista que Henry Kissinger adotou no passado sobre o Vietnã, declarando que a paz está próxima.
Se o relacionamento se deteriorar depois do encontro, como costuma acontecer nas interações entre Washington e Pyongyang, isso acontecerá depois da conclusão das conversações, quando o secretário de Estado, americano Mike Pompeo, e seu colega norte-coreano tentarem concretizar os detalhes sobre a “desnuclearização completa, verificável e irreversível”, que é como Pompeo descreveu o único resultado aceitável para os Estados Unidos.
A maioria dos especialistas acredita que esse padrão seja inatingível no caso da Coreia do Norte e que insistir nisso significa posicionar o governo Trump para um fracasso.
Mas Pompeo repetiu diversas vezes que é esse o objetivo, mais recentemente na sexta-feira (8), e portanto ele se tornou o único referencial de sucesso.
E, à medida que a negociação se desenrolar, atingir esse objetivo será a única maneira de Trump poder afirmar plausivelmente que conseguiu mais da Coreia do Norte do que o presidente Barack Obama obteve do Irã.
Para Trump, a questão central é descobrir se sua aposta de que para Kim o desenvolvimento econômico importa mais do que as armas nucleares dará resultado.
“Compreendo o motivo para que o governo ofereça tantos incentivos, mas temo que Trump acredite que Kim é um homem de negócios”, disse Jung Pak, pesquisador sênior da Brookings Institution e analista de informações sobre a Coreia do Norte para os serviços de inteligência americanos, até o ano passado.
“O que ele está esquecendo é que Kim não está em busca de riqueza”, disse Pak. “Ele já tem toda a riqueza de seu país. O que ele deseja é legitimidade.”
E Kim está a caminho de obter estatura como estadista internacional, depois de se reunir por duas vezes com os presidentes da China e da Coreia do Sul. A partir das 9h da terça-feira, em Cingapura (22h desta segunda, 11, em Brasília), ele poderá adicionar Trump à sua lista.
Algumas das pessoas que prepararam Trump para sua negociação com os norte-coreanos, que falaram sobre seus briefings ao presidente sob a condição de que seus nomes não fossem revelados, expressaram preocupação por o presidente confiar demais em sua capacidade como negociador, a ponto de optar por nem ouvir informações detalhadas sobre a maneira pela qual Kim vê o mundo.
Ao declarar no final de semana que saberia “em um minuto”, depois de falar com Kim, se a Coreia do Norte aceitaria ou não se desnuclearizar, Trump estava na verdade dizendo que o instinto do negociador, e não o estudo profundo do tópico, era o caminho do sucesso.
“É o meu toque, minha leitura”, ele disse. “É isso que faço.”
Os norte-coreanos também têm seu estilo de negociação.
Quando os Estados Unidos estavam negociando o armistício que veio a suspender a guerra travada entre 1950 e 1953 na Coreia, o delegado chefe norte-coreano causou embaraço ao seu colega americano ao aparecer para uma reunião no carro do embaixador dos Estados Unidos —que soldados norte-coreanos haviam capturado em Seul no começo da guerra.
Os norte-coreanos também haviam serrado alguns centímetros dos pés da cadeira usada pelo delegado americano, para que o representante da Coreia do Norte pudesse olhá-lo de cima durante a discussão.
Nenhuma dessas táticas deve ser usada na terça-feira. Mas o minuto inicial do encontro pode dizer muito.
Quando Kim se reuniu com o presidente sul-coreano Moon Jae-in, na zona desmilitarizada que separa os dois países, no final de abril, ele o pegou pela mão e o conduziu ao território da Coreia do Norte, em uma demonstração inesperada de iniciativa.
Na terça-feira, não haverá uma fronteira equivalente, mas Kim certamente buscará tirar vantagem de qualquer vantagem que tenha.
E ele tem duas formas primárias de pressão a exercer: a capacidade recentemente desenvolvida por seu país de atingir San Francisco e talvez Chicago com armas nucleares, e a capacidade persistente da Coreia do Norte de destruir Seul com artilharia convencional, posicionada ao longo da zona desmilitarizada.
Embora Kim possa considerar útil abrir mão de algumas dessas capacidades em troca de benefícios econômicos, ele está ciente de que seu arsenal nuclear é o principal caminho para que permaneça no poder.
A questão será como Trump ampliará seu repertório de incentivos a Kim para ir além da economia.
Ele pode oferecer a retirada das dezenas de milhares de militares americanos estacionados na Coreia do Sul, o que de qualquer forma ele deseja há muito tempo, devido ao superávit da Coreia do Sul no comércio com os Estados Unidos e dos compromissos excessivos das forças de defesa de seu país.
Outra possível proposta seria restringir o porte de armas nucleares pelos aviões de combate e submarinos americanos em visitas à Coreia do Sul —sabendo que, em uma emergência nuclear extrema, um míssil americano lançado do Nebraska poderia ser usado para atacar a Coreia do Norte.
Não importa o resultado da conferência de cúpula de Singapura, Kim já saiu ganhando.
Ao se tornar o primeiro líder norte-coreano a se reunir com um presidente americano, Kim provou ao seu povo que os americanos precisam respeitar seu poder.
Isso pode ser suficiente, pelo menos por enquanto.
FOLHA