Eficácia global da Coronavac é de 50,38%, anuncia governo paulista
Após controvérsia acerca dos números divulgados na semana passada, o Instituto Butantan detalhou nesta terça (12) que a vacina Coronavac tem eficácia geral de 50,38% contra a Covid-19.
O dado foi informado à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no pedido de registro emergencial da vacina, e está acima dos 50% requeridos universalmente para considerar um imunizante viável.
À primeira vista, parece um dado muito inferior aos 78% de prevenção de casos leves e 100% de pacientes moderados, graves ou mortos evitados pela Coronavac revelados pela Folha na semana passada.
Mas a eficácia geral divulgada nesta terça (50,38%) inclui também voluntários que foram infectados pelo coronavírus e não tiveram sintomas que necessitaram de atenção médica —classificados como casos muito leves.
Cientistas presentes no anúncio minimizaram o número mais baixo. “2020 foi o ano do luto. 2021 será o ano de lutar pela vida. É isso que devemos buscar, e não nos pautar só em números, mas, sim, uma proteção clínica e uma vacinação em massa”, Sérgio Cimerman, infectologista do Instituto Emilio Ribas.
“A melhor vacina é a vacina que estará à disposicao da população”, disse a infectologista Rosana Richtmann.
A vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac foi testada em um grupo de 13.060 voluntários no estudo comandado pelo Butantan, todos profissionais de saúde com idade maior de 18 anos. Por trabalharem diretamente com os pacientes, esses voluntários estão entre as pessoas que têm o maior risco de ter contato com o vírus e se infectarem.
Foram infectadas ao longo do ensaio, iniciado em julho, 218 pessoas. Dessas, cerca de 160 tinham recebido placebo e 60, a Coronavac. O estudo não avaliou a quantidade de voluntários assintomáticos, que podem ter se infectado com o vírus sem desenvolver nenhum tipo de sintoma. Estimativas de cientistas apontam que assintomáticos podem ser mais de 50% do total de infectados pelo Sars-CoV-2, mas a ausência de manifestações clínicas dificulta o diagnóstico.
A definição de casos de Covid-19 do estudo do Butantan, de acordo com Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa do instituto e responsável pelo ensaio, foi a mais abrangente possível, o que pode ter influenciado na análise.
Um caso podia ser definido como qualquer participante com um ou mais sintomas —como febre, tosse, falta de ar, fadiga, perda de olfato ou paladar, diarreia e vômito, entre outros— por dois ou mais dias, além daqueles casos confirmados pelo exame laboratorial de RT-PCR.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) define uma escala de 0 a 10 de sintomas, zero sendo o assintomáticos, 1 a 3 leves, 4 e 5 moderados, 6 a 9, graves e 10, fatalidades. O Butantan enfatizou, na divulgação da semana passada, a eficácia da Coronavac para todos os grupos acima de 1.
Segundo Dimas Covas, diretor do Butantan, as pesquisas com a vacina vão continuar. Estão previstos pelo menos quatro novos estudos com a Coronavac no país. Três pesquisas clínicas vão avaliar a eficácia da vacina em idosos e pessoas com comorbidades (1.400 voluntários), em grávidas (500 voluntárias) e crianças e adolescentes, sem número de participantes divulgado. Está previsto ainda um estudo para avaliar o impacto da vacina para mitigar a pandemia.
COMPARAÇÃO COM OUTRAS VACINAS
Os 50,38% do resultado geral estão abaixo dos dados acima de 90% de eficácia divulgados pelas vacinas que utilizam a nova tecnologia de RNA mensageiro, como as da Pfizer e da Moderna, nas quais material genético é usado para levar proteína estimulante do sistema imune ao paciente.
No caso da vacina da Pfizer-BioNTech, por exemplo, há 95% de eficácia geral apontada, segundo estudo revisado por pares e publicado na revista científica New England Journal of Medicine.
Nesse grupo, houve 162 infectados entre quem tomou placebo e apenas 8 entre vacinados, entre 44 mil voluntários. Só que o relatório da FDA (a agência regulatória dos EUA) aponta a exclusão de 3.410 pessoas que tiveram sintomas de Covid-19, mas não foram testados.
Desses casos suspeitos, 1.594 faziam parte do grupo vacinado e 1.816, do que recebeu placebo. Isso foi ressaltado em texto de Peter Doshi, editor associado do prestigioso British Medical Journal.
Se todos fossem casos de Covid-19, o que é improvável, isso derrubaria a eficácia geral para 19% (com todos os suspeitos) ou 29% (excluindo os casos que ocorreram nos primeiros sete dias da vacinação, que podem incluir reações ao imunizante), nas contas de Doshi.
A diferença aqui é que a Pfizer fez uma publicação detalhada de seus dados, enquanto não há ainda uma do Butantan.
Isso mostra uma faceta complexa da discussão acerca das vacinas. A despeito da tragédia da pandemia, que já matou mais de 200 mil brasileiros, elas são produtos, e suas fabricantes, empresas listadas em Bolsa que querem lucrar com eles.
Também explica a queda de braço entre o Butantan e a criadora da Coronavac, a Sinovac, que proibiu a divulgação de dados só do estudo brasileiro no fim do ano passado. O instituto paulista já formula e vai fabricar o imunizante no país.
O laboratório Sinovac viu discrepâncias entre dados do estudo indonésio (65% de eficácia geral), turco (91%) e o brasileiro, algo natural, dado que eles não foram aplicados na mesma população.
Comercialmente, contudo, o interesse chinês é ter um número unificado. Isso levou a duras negociações com o Butantan e, então, a divulgação parcial de dados na quinta passada (8).
Mas os dados incompletos levaram a críticas, por parte de cientistas, acerca da transparência do processo. O Butantan alegou que só poderia falar após fazer o pedido de uso emergencial à Anvisa.
Internamente, houve divergências. A área política do governo de João Doria (PSDB-SP) pressionou o Butantan a aclarar a situação. A Coronavac está no centro da disputa política entre o tucano e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que começou com a oposição entre o negacionismo federal e o ativismo estadual no manejo da pandemia.
Agora, a disputa gira em torno da vacinação, ainda que Bolsonaro sempre tenha colocado imunizantes em dúvida. O governo federal incluiu a Coronavac, todas as 46 milhões de doses já encomendadas da China prontas ou em insumos, no Programa Nacional de Imunização.
Ao mesmo tempo, há dúvidas no governo paulista sobre os empecilhos da Anvisa ao uso emergencial da Coronavac.
O imunizante que havia sido a aposta inicial do governo federal, da britânica AstraZeneca/Universidade de Oxford, teve seu pedido de uso feito horas depois do da Coronavac e agora ambos apostam uma espécie de corrida na agência.
Na atualização das 8h18 de hoje, o Butantan tinha 40,7% de seu pedido considerado concluído, ante 27,35% da Fiocruz, que fabricará o produto europeu.
Só que a entidade federal tem 67,18% de sua documentação em análise, enquanto a estadual tem 37,64% dela considerada pendente de complementação. A agência tem dez dias para completar sua avaliação.
Doria suspeita de ação política. No domingo (10), pediu urgência à Anvisa. Ao mesmo tempo, a animosidade gera preocupação na área técnica, que teme mais entraves da agência.
Enquanto isso, o tucano mantém seu plano de começar a vacinação assim que sair a autorização de uso emergencial, a partir de um cronograma estipulado em dezembro. A questão é que o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) já disse que considera as vacinas sujeita a seu planejamento.
FOLHA