Golpe do WhatsApp entra na era Pix e fica mais difícil recuperar o dinheiro
O golpe não é novo, mas o meio de pagamento sim. A agilidade do Pix atraiu a atenção de criminosos que sequestram contas de WhatsApp para pedir dinheiro aos contatos na lista. Como o novo sistema permite transferências rápidas e gratuitas a qualquer dia e horário, os estelionatários conseguem sacar ou movimentar a quantia rapidamente, reduzindo o tempo da vítima para perceber a cilada e pedir o cancelamento da operação.
Uma vez esvaziada a conta de destino, o estrago está feito. Vítimas ouvidas pelo UOL relatam que os bancos se recusam a devolver o dinheiro, já que a própria pessoa autorizou a transferência depois de cair na artimanha dos criminosos.
Os bancos afirmam que a análise da devolução é feita caso a caso, mas não esclarecem como.
Especialista em direito do consumidor diz que não existe uma obrigação legal de o banco ressarcir a vítima, mas que há decisões judiciais que favorecem tanto instituições financeiras quanto os usuários do serviço bancário.
Tire as principais dúvidas sobre o assunto a seguir:
Caí no golpe e passei dinheiro pelo Pix; o que devo fazer?
O UOL ouviu representantes dos bancos e especialistas em direito do consumidor, e a lista de orientações pode ser resumida em três passos:
- Avise imediatamente o banco para o qual o dinheiro foi enviado;
- Faça um boletim de ocorrência;
- Caso tenha problemas com o banco, abra uma reclamação no Banco Central
Antes de efetivar uma transferência via Pix, o sistema mostra o nome completo, o banco e um trecho do CPF do destinatário. Em alguns casos, a chave Pix é o próprio CPF. Essas informações ficam salvas no comprovante virtual da transação.
Se vítima entrar em contato com o banco para o qual o dinheiro foi enviado, a instituição pode bloquear a movimentação da conta e evitar que outras vítimas caiam no mesmo golpe. Caso o dinheiro ainda esteja na conta, fica mais fácil recuperar o valor transferido —por isso é importante ser rápido.
Segundo o Banco Central, o sistema do Pix tem uma funcionalidade de notificação de fraude, em que todas as chaves Pix, CPF/CNPJ e contas envolvidas em alguma transação fraudulenta são marcadas. Essa informação é compartilhada com outras instituições que operam o sistema, para coibir que o golpista continue fazendo novas vítimas.
O banco é obrigado a devolver meu dinheiro?
Segundo Marcella Boarato, especialista em direito do consumidor do escritório ASBZ Advogados, não existe na legislação uma resposta objetiva a esta pergunta.
A advogada diz que a maioria dos casos levados à Justiça resulta em decisões favoráveis aos bancos, porque o golpe é orquestrado em plataforma de mensagens que foge da fiscalização das instituições de pagamento. Contudo, há casos em que o juiz entende que os bancos podem responder pela falta de proteção ao consumidor.
Os bancos afirmam que a devolução do dinheiro depende da análise do caso, mas não esclarecem como isso é feito.
De acordo com o Banco Central, “caberá ao prestador de serviço de pagamento a análise do caso de fraude e o eventual ressarcimento, a exemplo do que ocorre hoje em fraudes bancárias”. A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) diz que cada instituição “tem sua própria política de análise e ressarcimento, que é baseada em análises aprofundadas e individuais considerando as evidências apresentadas pelos clientes, informações das transações realizadas”.
Ione Amorim, coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), afirma que os bancos não podem se isentar totalmente da responsabilidade, mesmo quando o golpe acontece por descuido do usuário.
“O Pix é robusto, seguro, mas é preciso fazer com que essa vulnerabilidade que está no consumidor seja mais bem tratada. Se não, vamos ter um sistema que é bom, mas que pela vulnerabilidade de quem opera, se torna uma sistema ruim.”
Na opinião de Amorim, as instituições financeiras talvez tenham de colocar mais ferramentas de alerta e investir na conscientização dos usuários para evitar fraudes.
Se o banco não devolver, o que faço?
O canal de reclamações no BC serve para comunicar problemas que você teve com o banco (como falha nos serviços de atendimento), mas não para apurar o crime que foi cometido. Essa atribuição é da polícia —por isso é importante registrar um boletim de ocorrência.
A investigação pode levar a mais informações sobre quem está por trás do golpe e ajudar a recuperar o dinheiro.
Além disso, a vítima que se sentir prejudicada pelo banco ou pelo aplicativo de mensagens usado no golpe pode entrar com uma ação como consumidora para buscar o ressarcimento.
“Informações sobre os dados do beneficiário [quem recebeu o dinheiro] ou pedido de restituição dos valores dependem, via de regra, de decisão judicial nesse sentido”, diz a advogada Marcella Boarato.
Qual a diferença do golpe com Pix ou com outros meios de pagamento?
A única diferença é a agilidade e a disponibilidade que o Pix oferece.
Antes da existência do Pix, os golpistas costumavam pedir transferência por DOC ou TED. No DOC, esse dinheiro só cai na conta no dia útil seguinte. O TED é imediato, mas tem restrição de horário definido pela instituição (geralmente até as 17h) e só está disponível em dias úteis.
Além disso, muitas pessoas pagam taxas para realizar um DOC/TED, e isso pode ser uma barreira para a concretização do golpe. Como o Pix é sempre gratuito para pessoas físicas, a tendência é a que vítima tenha mais disponibilidade em fazer a transação.
Quanto mais rápido e prático for o meio de pagamento, também o será para o criminoso. Por isso o Pix ganhou espaço no golpe do WhatsApp.
Vítima diz que se arrepende de ter aderido ao Pix
No início deste ano, Gabriel* caiu na lábia dos golpistas e transferiu R$ 1.950 via Pix. Ele acreditou que estava ajudando uma amiga a fazer uma transferência, mas o WhatsApp dela havia sido clonado. “É uma amiga próxima, eu estava correndo com o trabalho, então não desconfiei”, disse Gabriel.
Minutos depois de fazer a transferência, a vítima percebeu que tinha caído num golpe, mas já era tarde demais. O dinheiro transferido para uma conta no Santander já havia sido retirado e ele não conseguiu reverter a transação.
Gabriel recebeu da ouvidoria do Santander a informação de que “a conta receptora foi bloqueada e o titular notificado para prestar esclarecimentos”, mas que “não será possível o ressarcimento por parte da instituição, por se tratar de um caso de segurança pública”.
Na opinião de Gabriel, a agilidade do Pix facilitou o crime. “Claro que há golpes em qualquer modalidade, mas como o Pix é instantâneo, como o próprio Santander me explicou, o banco não tem tempo para barrar transações suspeitas. Acho que isso precisa entrar na conta do consumidor que decida usar a ferramenta.”
Em nota, o Santander declarou que entrou em contato com o cliente tão logo foi acionado e que tomou as providências cabíveis. O banco também afirmou “que orienta continuamente seus clientes quanto à segurança ao realizar operações financeiras via qualquer meio, reforçando os cuidados para validar os dados das transações antes de efetivá-las”.
Como é o golpe do WhatsApp
O golpe tem duas etapas. A primeira depende de conseguir sequestrar (ou clonar) a conta de alguém no WhatsApp, o aplicativo de mensagens mais popular no Brasil.
Isso geralmente não é feito com vírus ou programa invasor, mas pela chamada engenharia social. O golpista entra em contato e simula uma pesquisa ou atendimento. Depois de conquistar a confiança da vítima, pede a confirmação de um código enviado para o celular dela. Este código permite que o golpista acesse a conta do WhatsApp em outro aplicativo.
Três vítimas ouvidas pelo UOL relataram que receberam uma ligação em que a pessoa dizia fazer uma pesquisa do Ministério da Saúde sobre covid-19. Essa estratégia tem sido usada com frequência como isca para o golpe.
Uma vez que os criminosos sequestram a conta do WhatsApp, eles mandam mensagens para os contatos da primeira vítima, pedindo algum tipo de pagamento ou transferência.
Foi o que aconteceu com a Bruna*, de São Paulo. Depois de responder à falsa pesquisa do ministério, seu app foi sequestrado. Ela só percebeu quando recebeu uma ligação do namorado, que notou algo errado nas conversas. Bruna diz que os criminosos mandaram mensagens para quase todos os contatos, seguindo em ordem alfabética. Em menos de quatro horas haviam chegado na letra “S”. Ela só conseguiu recuperar a conta seis horas depois.
Confira aqui dicas de como não ter o WhatsApp clonado/sequestrado, e do que fazer caso isso aconteça.
Desconfiados escaparam do golpe
A orientação dos especialistas é nunca realizar uma transferência a pedido sem antes conversar pessoalmente ou por chamada telefônica. É um passo simples que evita muita dor de cabeça.
Ione Amorim, do Idec, afirma que é importante também verificar com atenção os dados do destinatário que aparecem antes de confirmar a transferência pelo Pix.
Nesse tipo de golpe, porém, é comum que o pedido seja de transferência para terceiro, justamente para que o nome de um estranho não pareça suspeito. Então, se o Pix estiver em nome de alguém que você não conhece, é mais um sinal de alerta que deve ser observado.
No último dia 28, Raissa Corrêa, de Tubarão (SC), recebeu pelo WhatsApp a mensagem de um amigo pedindo ajuda para transferir R$ 4.390 para um terceiro, via Pix. “Quando eu perguntei se poderia ligar para confirmar que era a pessoa mesmo, ela excluiu parte da mensagem”, diz.
Espirituosa, ela ainda efetuou uma transferência de R$ 0,01 e mandou o comprovante pelo WhatsApp. Enquanto isso, denunciou a conta do aplicativo de mensagens.
O advogado Nile William, de Palmas, também escapou do golpe. O amigo dele teve o WhatsApp sequestrado. “Os bandidos solicitaram uma quantia via Pix, eu ofereci fazer um TED, porém eles não encaminharam o CPF, pois aí ficaria nítido o golpe”, diz.