Bolsonaro faz novo aceno ao centrão e edita portaria que reduz poder do Executivo no pagamento de emendas
Em mais um aceno ao centrão, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) editou uma portaria que reduz o poder do Executivo na execução das chamadas emendas do relator-geral, que estão no centro da aliança política firmada entre o Palácio do Planalto e parlamentares do grupo.
A norma, assinada pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo), traz para as emendas de relator-geral -cerca de R$ 20 bilhões no Orçamento- regras semelhantes às existentes para as emendas individuais e de bancada.
Trata-se, segundo especialistas, de um tentativa de “institucionalizar” o uso das emendas do relator-geral, empregadas atualmente como moeda de troca política.
Uma das principais alterações da portaria estabelece que as emendas de relator só poderão ter seu empenho limitado na mesma proporção do corte aplicado às demais despesas discricionárias (não obrigatórias).
Como antes não havia limite para a contenção desse gasto pelo Executivo, na prática a portaria reduz o poder do governo sobre a verba para os parlamentares.
Em outro trecho, a portaria diz que os ministros podem solicitar ao relator “informações adicionais quanto ao detalhamento da dotação orçamentária”, o que seria uma forma de identificar o estado ou município que receberá o recurso, no caso de ações genéricas.
A resposta do Congresso, no entanto, não é vinculante, ainda de acordo com o portaria, o que abre margem para que o governo negocie com deputados e senadores a alocação final do dinheiro.
Uma das principais críticas ao novo modelo de negociação entre Planalto e Legislativo é que a distribuição das emendas de relator ocorre por acordos políticos. Dessa forma, falta transparência no rastreamento do deputado ou senador que efetivamente apadrinha a dotação.
Em outra frente, também reduz a isonomia na distribuição de recursos entre parlamentares.
Segundo especialistas, os parlamentares passaram a desvirtuar o objetivo das emendas do relator-geral, cargo que a cada ano recai sobre um deputado ou senador.
Originalmente pensadas como mecanismos de ajustes e correções pontuais de ordem técnica, elas passaram a receber valores expressivos a partir de 2019.
Câmara e Senado aprovaram, para o Orçamento de 2020, um valor de cerca de R$ 30 bilhões para o relator, que repassaria essa verba para ser distribuída por deputados e senadores alinhados.
Após reação da equipe econômica, que temia um estrangulamento do poder de manejo orçamentário do governo, Bolsonaro vetou a medida, mas o Congresso só não derrubou o veto mediante acordo com o Planalto, que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral, sob a rubrica orçamentária RP9.
Foi nesse período em que o presidente deixou de se confrontar com o centrão e passou a colocar o grupo político dentro do governo. Antes das emendas de relator, as negociações, como ocorreram na votação da reforma da Previdência, envolviam outra forma de liberação, via recursos extraorçamentários.
Na discussão do Orçamento de 2021 os parlamentares voltaram a tentar reservar cerca de R$ 30 bilhões para as emendas do relator-geral -valor que, na verdade, é rateado entre vários congressistas a depender dos acordos políticos firmados-, mas o montante ficou em torno de R$ 20 bilhões após vetos de Bolsonaro negociados com a equipe econômica e com líderes do Congresso.
Com isso, as emendas parlamentares autorizadas no governo Bolsonaro tiveram valores mais do que duplicados em sua gestão. Em 2018, as emendas individuais e coletivas representaram cerca de R$ 13 bilhões. Em 2019 (cujo Orçamento foi aprovado em 2018), cerca de R$ 15 bilhões.
Em 2020 e 2021, e já com a novidade das emendas do relator-geral, esses valores saltaram para R$ 38 bilhões e R$ 35 bilhões, respectivamente.
ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES
A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o final de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares As emendas parlamentares se dividem em:
Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde Emendas coletivas: subdivididdas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido Emendas do relator-geral do Orçamento: As emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo.
CRONOLOGIA
Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares.
2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:
a) execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior; b) metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a saúde c) contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória 2019.
O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas).
Metade desse valor tem que ser destinado a obras
O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento, R$ 30 bilhões.
Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral.
2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:
Emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões
Emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
Emendas de comissão permanente: R$ 0
Emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 18,5 bilhões
FOLHAPRESS