Um ano após iniciar vacinação, Brasil amplia meta de cobertura
Enfermeira, diabética, obesa e hipertensa: há um ano, Mônica Calazans aparecia na tela de milhões de brasileiros e se tornava um símbolo como a primeira pessoa vacinada no Brasil contra a Covid-19. Em 17 de janeiro de 2021, a doença havia deixado 209.868 mortos. Agora, cerca de 68% da população estão totalmente vacinados, mas o Brasil ainda enfrenta o desafio de alcançar todas as faixas etárias com a imunização.
Em fevereiro de 2021, o Plano Nacional de Operacionalização da Covid-19 do Ministério da Saúde estimava que, considerando a transmissibilidade do coronavírus, cerca de 60% a 70% da população precisaria estar imune para “interromper a circulação do vírus”. Nessa perspectiva, seria necessária a vacinação de 70% ou mais da população para redução considerável da doença. Quase um ano depois, o cenário mudou diante do surgimento de variantes mais transmissíveis, como a Ômicron. Assim, especialistas agora estimam que a cobertura vacinal seja ampliada para chegar o mais rapidamente possível aos 100% da população — ou muito perto disso.
Com a variante Ômicron, o coronavírus se torna o primeiro vírus a deflagrar esse novo conceito. Até então, os especialistas lidavam com a meta de segurança de 90% para as doenças com maior capacidade de alastramento. Mas a nova cepa se mostrou a mais transmissível de todos os vírus. O avanço da vacinação se revelou fundamental para frear o rastro de destruição do novo coronavírus e evitar que a triste marca de mais de 620 mil vidas ceifadas pela Covid-19 fosse ainda maior.
Médicos apontam que imunizar crianças e impulsionar as doses de reforço representam os principais obstáculos ao controle da pandemia no país em meio ao cenário de rápida disseminação da Ômicron. Intensificar a testagem e reduzir o abandono vacinal — pessoas que não comparecem para tomar a segunda dose — completam as pontas soltas no combate ao vírus.
— Nós temos que alcançar no Brasil 90%, 100% da população completamente imunizados, isto é, com duas doses e com reforço e também vacinar as crianças, porque elas são muito transmissoras (do coronavírus) naturalmente. Vacinar crianças é muito estratégico (para controlar a pandemia) —afirma a pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Margareth Dalcomo.
Além da completude do ciclo, as análises apontam que é preciso garantir a imunização total das crianças, grupo considerado mais vulnerável no cenário atual, sobretudo com a transmissão acelerada da variante Ômicron. A vacinação de brasileiros de 5 a 11 anos começou na última sexta-feira após resistência do governo federal. Serão 4,3 milhões de doses entregues em janeiro e, no total, 20 milhões no primeiro trimestre, o que significa que o país não conseguirá imunizar totalmente os brasileiros desaa faixa etária antes da volta às aulas. Essa perspectiva é considerada um ponto de atenção por especialistas e reforça a indicação para que medidas de proteção sejam intensificadas, como o uso de máscaras e o distanciamento social.
— É um momento de expectativa, de esperança, mas é fundamental, de fato, que essa vacinação tenha um bom ritmo, que abranja todas as faixas etárias, que aqueles que se vacinaram com a primeira dose completem o esquema vacinal e que toda a população possa ser vacinada. De fato, é como se diz: só estaremos protegidos quando todos estiverem protegidos. Isso vale para o Brasil e para o mundo — analisa a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade.
Atualmente, há estudos em andamento para habilitar vacinas para menores de seis meses a 4 anos. A Pfizer, cujo imunizante é o único autorizado para crianças no país, já realiza testes na faixa etária que agrega bebês e crianças menores. Em dezembro do ano passado, a Anvisa autorizou a vacinação contra a Covid-19 de crianças entre 5 e 11 anos de idade.
— Temos vacinas (para outras doenças) hoje para crianças com 10 dias, recém-nascidas. Espero que se ampliem os estudos e possamos ter vacinas contra Covid-19 para todas faixas etárias. Iremos avaliar esses imunizantes com o mesmo rigor, independentemente de ameaça. A Anvisa não se curvará às ameaças. É importante ampliar as vacinas de forma segura e passar isso à população, de que essas vacinas são analisadas com o maior rigor técnico, de forma que todos possam ofertar seu braço a se vacinar, inclusive os recém-nascidos, se assim viermos a ter uma vacina para bebês — afirmou a diretora da Anvisa, Meiruze Freitas, responsável pela área de vacinas.
A imunização no país tem sido repleta de turbulências desde antes da aprovação dos primeiros imunizantes em janeiro de 2021. Único chefe de estado do G-20 a declarar que não irá se vacinar, o presidente Jair Bolsonaro travou uma campanha de desinformação contra os imunizantes. A CoronaVac, primeira vacina aprovada pela Anvisa juntamente com a de Oxford, foi classificada pelo presidente como “vacina chinesa do Doria”, em referência ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB). As posições do presidente chegaram ao Ministério da Saúde, sob gestão do general Eduardo Pazuello, e tumultuaram as negociações.
— Há um ano, cumprimos com o nosso dever e disponibilizamos um imunizante que se mostrou primordial no combate ao coronavírus. A ciência não para, está em constante evolução, e nós iremos acompanhar todos os avanços relacionados à vacina — declarou o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas.
Entre primeira e segunda dose, além do reforço, o Brasil já aplicou mais de 306 milhões de vacinas no último ano. Mas ainda há alguns obstáculos a serem superados. A ausência de campanha publicitária robusta sobre vacinação e a dificuldade de fazer com que os brasileiros retornem aos postos de saúde para completar o esquema vacinal ainda se impõem como questões importantes que, de acordo com os técnicos, precisam estar na ordem do dia. Em dezembro, dois meses após o Ministério da Saúde liberar a aplicação adicional para todos os idosos, somente um terço desse grupo havia recebido a imunização. O reforço é importante, segundo a análise, para reforçar a proteção e minimizar os índices de hospitalizações e casos graves, evitando mortes e sobrecarga no sistema público.
— Aquele dia foi o pontapé inicial para a gente controlar essa doença tão terrível que está acabando com as famílias. Aquela vacina mudou muito a minha vida — afirmou ao GLOBO a enfermeira Mônica Calazans.
O Globo