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YouTube, WhatsApp e agora Telegram? País pode ter onda de bloqueios do app

telegram-e-whatsapp-na-tela-do-celular-smartphone-wechat-aps-de-mensageria-mensagem-1643388540478_v2_900x506.jpg YouTube, WhatsApp e agora Telegram? País pode ter onda de bloqueios do appO debate sobre bloqueio de sites e de aplicativos no Brasil entrou na sua quarta onda com a possibilidade de suspensão do Telegram dentro do contexto eleitoral de 2022.

O tema não é estranho para quem se lembra do bloqueio do YouTube, em 2006, e do WhatsApp em 2016, mas cada onda tem a sua particularidade.

Primeira onda: o bloqueio do YouTube

A primeira onda veio em 2006 quando um vídeo feito por um paparazzo flagrou a modelo Daniela Cicarelli em uma cena íntima na praia de Cádiz, na Espanha. O vídeo foi parar no YouTube e viralizou. A modelo acionou o Poder Judiciário para impedir a postagem do vídeo e buscar a responsabilização do provedor.

Ao perceber que a empresa não estava conseguindo criar um filtro que impedisse de modo efetivo a postagem do vídeo por seus usuários, o magistrado ordenou o bloqueio do YouTube no Brasil.

Não demorou para que ficasse claro que não era proporcional derrubar uma plataforma inteira, inclusive usada pelo Supremo Tribunal Federal para transmitir suas sessões, por conta de apenas um vídeo. A decisão foi rapidamente revertida.

Segunda onda: o bloqueio do Secret

O Secret era um aplicativo que permita aos seus usuários publicar segredos. Integrado ao Facebook ele apenas mostrava que os autores das publicações eram seus “amigos” ou “amigos de amigos”.

Começaram a circular no aplicativo informações sensíveis e fotos íntimas não autorizadas, o que levou o Poder Judiciário a ordenar o bloqueio da aplicação em 2014.

Como o app não tinha, na época, representação no Brasil, a decisão judicial mirou nas lojas de aplicativos da Apple, Google e Microsoft, obrigando as mesmas a não mais disponibilizar o Secret para seus usuários brasileiros.

O Secret encontrou problemas em outros países e acabou fechando as portas.

De toda forma, o bloqueio do Secret através das lojas de aplicativos criou uma alternativa para o Poder Judiciário procurar impedir (ou restringir) o acesso a aplicações no Brasil quando a empresa não possui representação local.

Essa medida de mirar na loja de aplicativos volta e meia aparece quando se trata de apps que ficam populares muito rapidamente e apresentam alguma irregularidade.

Foi assim com o Faceapp, aplicativo russo de edição de fotos cujos termos de uso não esclareciam como os dados pessoais de seus usuários seriam tratados.

A empresa não tinha representação local e o Procon-SP chegou a multar a Google e a Apple pela disponibilização do aplicativo em suas lojas.

Terceira onda: os bloqueios do WhatsApp

A partir do final de 2015, pelo menos três decisões judiciais foram expedidas por juízes de primeira instância ordenando o bloqueio do aplicativo WhatsApp no Brasil. Em todos os casos o Poder Judiciário procurava obter acesso ao conteúdo de conversas mantidas no app entre suspeitos de tráfico de drogas e outros crimes.

Acontece que a troca de mensagens no WhatsApp é protegida por criptografia ponta a ponta, tornando a entrega dessas conversas uma medida tecnologicamente impossível de ser implementada sem se quebrar de vez a segurança da aplicação.

Coube ao Supremo Tribunal Federal revogar as suspensões.

Hoje tramita na Corte, inclusive, uma ação que discute a possibilidade de bloqueio de aplicativos a partir do artigo 11 do Marco Civil da Internet.

Esse artigo dispõe sobre o tratamento de dados pessoais e bloqueia somente essa atividade caso a empresa viole as leis de proteção de dados brasileiras. Não parece que esse artigo sirva para os casos em que se requer o bloqueio de aplicações por descumprimento de ordens judiciais.

No julgamento dessa ação, dois ministros votaram contra os bloqueios de apps usando o artigo 11 e o ministro Alexandre de Moraes pediu vista. O que não deixa de ser um bom gancho para a quarta onda dos debates sobre bloqueios de aplicativos, já que o ministro Alexandre de Moraes assumirá a presidência do TSE nas eleições de 2022.

Quarta onda: bloqueio do Telegram?

O que existe de novo no debate sobre bloqueio de aplicativos nessa quarta onda?

O primeiro ponto que chama atenção é o fato de que a discussão sobre a suspensão do Telegram acontece dentro do contexto eleitoral e da disseminação de notícias falsas.

Muita gente está achando que suspender o funcionamento do Telegram no país —pelo menos durante as eleições— vai ferir de morte a máquina da desinformação. Má notícia: não vai.

Com o bloqueio, uma minoria vai recorrer a meios alternativos de acesso ao Telegram, como VPNs, enquanto outros vão simplesmente migrar para outras plataformas.

Aliás, tirar o Telegram de cena termina por reforçar o papel das redes alternativas na formulação de narrativas, servindo como verdadeiro laboratório de materiais que vão depois inundar as redes sociais mais populares.

Vale lembrar que aos políticos não interessa estar e falar apenas nas redes alternativas. Nos Gettr da vida só se prega para convertido. Os políticos precisam ampliar a sua base e fazer com que pessoas não sensibilizadas pelo seu discurso entrem em contato com o mesmo. Na internet isso acontece nas grandes redes sociais e nos aplicativos de mensagem.

Então se a pergunta for “como acabar com a desinformação nas eleições?”, o bloqueio do Telegram não é a resposta. Ele pode contribuir em alguma medida para desarticular canais de desinformação que já estavam sendo montados para as eleições, mas essa mobilização vai ocorrer em outros lugares e de outras formas.

Tudo isso sem descartar a adoção de medidas técnicas pelo próprio Telegram para continuar no ar, já que por anos ele conseguiu escapar das medidas de bloqueio impostas pelo governo russo, até que finalmente o Kremlin resolveu levantar a suspensão. O Telegram era acusado de não cooperar com o governo na remoção de conteúdos extremistas.

Mas isso quer dizer que o bloqueio do Telegram não deve ocorrer?

Um segundo ponto que merece atenção nessa quarta onda é a postura do Telegram, que simplesmente ignora qualquer comunicação por parte de autoridades brasileiras. Talvez esteja aí —e não exatamente no combate à desinformação— o principal elemento que caracteriza essa onda.

O Telegram não respondeu às demandas por informações da CPI da Pandemia e parece também não estar disposto a implementar qualquer canal de comunicação com o TSE.

Não será então surpresa se, ao não cumprir ordem judicial para remoção de conteúdo ou de conta, alguma instância do Judiciário brasileiro ordene a sua suspensão.

Se é verdade que o bloqueio do Telegram não vai resolver a desinformação, não dá para ter um app instalado em mais de 50% dos celulares brasileiros que sequer responde às ordens judiciais que, diferente do que aconteceu com o WhatsApp em 2016, partem de tribunais superiores e não exigem medida tecnicamente impossível.

Dado o contexto atual, não se pode descartar a hipótese que eventual ordem de bloqueio venha de inquéritos abertos tanto no TSE (ataque às urnas eletrônicas) como no STF (organização criminosa digital para promoção de ataques à democracia). Desses inquéritos podem surgir uma decisão que, caso ignorada, possa escalar para a solução do bloqueio.

Uma lição que ficou das ondas anteriores é que o bloqueio é uma medida drástica, que só deve ser usada como último recurso, já que ela prejudica terceiros que nada fizeram de ilícito.

Além disso, a implementação do bloqueio pode ter efeitos colaterais. Basta lembrar que a suspensão do WhatsApp no Brasil em 2016 acabou tirando o aplicativo do ar em partes da Argentina e do Chile.

De toda forma, o contexto de disseminação de notícias falsas no período eleitoral e a postura da empresa em nem mesmo considerar as ordens emitidas por autoridades brasileiras marcam essa última onda do debate sobre bloqueio de aplicativos no Brasil.

Resta saber se o bloqueio do Telegram vai mesmo ser efetivado e quais lições vamos aprender nessa quarta onda.

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