Campanha de Bolsonaro busca virar voto de ‘arrependidos’
Aliados de Jair Bolsonaro (PL) admitem que será preciso ir além do cercadinho do Palácio da Alvorada para ganhar a eleição e defendem reconquistar os votos dos chamados “arrependidos” de 2018, aqueles que votaram no presidente na onda do antipetismo e migraram para a terceira via ou até para Lula (PT).
Se antes a principal expectativa do Planalto era que o cenário econômico estivesse melhor no período eleitoral, hoje isso mudou.
A leitura é que, com os efeitos da guerra na Ucrânia, principalmente a inflação alta, dificilmente a melhora na economia será um cartão de visita do último ano do governo Bolsonaro. Isso apesar de um Bolsa Família reformulado no Auxílio Brasil com tíquete superior de R$ 400.
Portanto, um dos focos será retomar o discurso do antipetismo e a narrativa de que não há corrupção no governo Bolsonaro —prejudicada nesta última semana, diante dos escândalos no Ministério da Educação envolvendo o próprio ministro Milton Ribeiro e pastores sem cargo público que negociavam a liberação de recursos da pasta.
Uma ala de integrantes da campanha de Bolsonaro acredita que ele deveria tomar providências quanto ao ministro. Outros aliados têm minimizado as acusações, dizendo que elas não alcançam diretamente o ministro e muito menos o presidente.
Levantamentos aos quais aliados do chefe do Executivo tiveram acesso dão conta de que, além das mulheres, os jovens integram o grupo de maior rejeição a Bolsonaro.
Em um evento recente no Paraná, do qual participou virtualmente, Bolsonaro foi questionado pelo deputado Filipe Barros (PL-PR) sobre de que forma seus apoiadores poderiam ajudá-lo.
Bolsonaro pediu: “Não esqueça de procurar alguém que pensa diferente de você e, pelo convencimento, mostrar para ele a grandiosidade do Brasil. Os problemas que vivemos atualmente são superáveis, sim, mas, se um dia viermos a perder a liberdade, daí creio que dificilmente ela será reconquistada lá na frente”.
Desde que assumiu a Presidência, procurar quem pensa diferente nunca se mostrou uma prioridade de Bolsonaro. Em 2018, ele chegou ao Planalto impulsionado pelo antipetismo e pelo verniz de novidade, ainda que estivesse na política havia quase 30 anos.
Ao longo de seu mandato, Bolsonaro foi pressionado por aliados a moderar o discurso, especialmente no que diz respeito às vacinas contra a Covid-19. Em grande parte dessas ocasiões, ignorou os apelos.
Além de não ter tomado o imunizante, o chefe do Executivo questionou sua eficácia durante toda a pandemia –em especial da vacina infantil. Sua filha mais nova, Laura, de 11 anos, não vai se vacinar, segundo ele.
Nos últimos meses, porém, o mandatário não tem mais se insurgido de forma direta contra o programa de vacinação.
A ideia de modular o discurso defendida pelos aliados é criar uma versão light para o que o presidente sempre falou. Pode, dizem eles, criticar ministros do Supremo Tribunal Federal, contanto que não ameace a instituição ou xingue diretamente esse ou aquele ministro. O entorno do presidente sabe que Bolsonaro não muda muito.
No ano passado, durante a “trégua” com o Judiciário, auxiliares palacianos já defendiam que a versão “paz e amor” do chefe do Executivo serviria para trazer votos da centro-direita para a sua campanha.
É nesse cenário que integrantes de sua campanha creditam a melhora na pesquisa do Datafolha desta semana ao novo tom do chefe do Executivo.
O levantamento mostrou que Bolsonaro encurtou as distâncias para o primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A pesquisa mostra o petista pontuando, no primeiro turno, com 43% das intenções de voto, contra 26% de Bolsonaro. No levantamento anterior do Datafolha, de dezembro, Lula vencia o atual presidente por 59% a 30% no segundo turno. Agora, Lula venceria com 55% contra 34%.
Hoje os palacianos dizem acreditar que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, pré-candidato do Podemos à Presidência, tem poucas chances de decolar na campanha.
Os demais candidatos da chamada terceira via, idem. Assim, a modulação do discurso serviria, mais uma vez, para aproximar Bolsonaro dessa parcela do eleitorado.
Também com a classe média Bolsonaro teve uma melhora no desempenho no Datafolha. Como mostrou a coluna de Bruno Boghossian, o presidente saltou entre eleitores com renda de dois a cinco salários mínimos e reduziu a vantagem de Lula no segmento.
Há um denominador comum em todos os discursos do atual chefe do Executivo. Sempre que pode, ele compara seu governo às gestões petistas, à sua forma.
Compara o lucro da Petrobras com o prejuízo no passado, e fala de escândalos de corrupção. Uma das frases preferidas de Bolsonaro há alguns meses é dizer que este governo nunca registrou caso de corrupção.
A despeito de não haver mais Operação Lava Jato, há preocupação de organismos internacionais com eventual enfraquecimento dos mecanismos de controle no país. Bolsonaro também atuou sistematicamente contra investigações que pudessem respingar em seu entorno familiar.
Em 19 de março, relatório da Transparência Internacional criticou os três Poderes. Sobre o Executivo, citou o pagamento de emendas de relator a parlamentares.
“O governo Bolsonaro não tem nada mais do que uma retórica populista e autoritária para esse e outros grandes temas. Seu legado foi um desmanche sem precedentes da capacidade do país de enfrentar a corrupção”, disse Bruno Brandão, diretor da entidade, à época.