Mágoa do Fla, dor com o 7 a 1 e visitas surpresa: os anos de Bruno na prisão
A mágoa com os companheiros de Flamengo, quando o caso de Eliza Samudio explodiu, os quais recusa a chamar de amigos, incomoda. Muito. Outra dor é assistir ou ouvir aos jogos da Seleção. Bruno acredita que poderia estar ali – até evitando o trágico 7 a 1 contra a Alemanha. Em uma entrevista reveladora à Rádio Itatiaia, nesta terça-feira, o ex-goleiro falou sobre a rotina na Centro de Reintegração Social da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), de Santa Luzia, em Minas Gerais, onde está há quase quatro meses.
Quando o caso estourou, em 2010, Bruno estava no Flamengo, em um time que havia acabado de conquistar o Brasileiro, no ano anterior. O elenco contava com jogadores como Ronaldo Angelim, Vagner Love, Petkovic, David Brás, Léo Moura. O ex-goleiro chegou a jogar com Adriano Imperador, em 2009. Na entrevista, Bruno diz que nenhum jogador chegou a procurá-lo. Em uma entrevista à revista “Placar”, em 2014, porém, chegou a afirmar que vetou uma visita de Adriano para “preservá-lo”.
– Esperava ter recebido pelo menos uma carta, por exemplo de algum jogador do Flamengo, daquele grupo. Esperava uma carta por tudo que eu fiz entre nós jogadores. Eu tomei muita pancada defendendo muita gente, que hoje eu sei que não merecia. Eu comprei uma briga muito grande. Eu me envolvi em polêmicas porque eu era amigo. Mas eles não mereciam minha amizade.
No entanto, algumas visitas surpreenderam o jogador. Foi o caso do goleiro Fábio, que visitou Bruno ainda no regime fechado, para levar uma palavra de fé e esperança no momento difícil.
– Alguns que eu nem esperava vieram até mim. Eu te cito algumas pessoas que não vieram nem aqui na APAC, foram no sistema comum. Fiquei muito feliz. Vou te dar o exemplo do Fábio. É uma pessoa pública, esteve lá, me levando uma palavra de esperança; Eu acredito que as palavras que saíram da boca dele foram as palavras de Deus, que estava o usando como instrumento. Meu treinador de goleiro, o Robertinho, que é o treinador do Fábio, sentiu muito, foi um baque muito grande. Também esteve o senhor Tadeu, pai do Tardelli, pessoas que eu nem esperava. Gladstone e o Irineu (ambos zagueiros), iniciamos juntos no Cruzeiro, foram estas pessoas e desde já gostaria de agradecê-los.
Bruno sabe que tentar retomar a carreira de jogador pode ser um processo complicado, doloroso. Mas o ex-goleiro garante que não vai desistir de seu sonho. Ele admite o crime que cometeu, mas se diz tranquilo por estar cumprindo a pena.
– Eu não vivia do crime, mas cometi um. E estou pagando por ele. Espero voltar, não sei se vai ser daqui a um ano ou mais, mas vou atrás do meu objetivo. O meu objetivo, eu deixo bem claro, eu vou correr atrás, não vou acabar com minha carreira atrás das grades. Desde criança eu fui atrás disso. Eu passei minha juventude atrás deste objetivo. Eu cometi um erro, estou pagando por ele e não vou desistir. Uma frase que minha mãe sempre falou: “lutar sempre, perder às vezes, mas desistir jamais”. Então quando eu olho para minha mãe, para minha esposa, para minhas filhas, no dia a dia das visitas, elas sorriem para mim, isso me fortalece. Eu sei que o pior está por vir, mas eu estou preparado.
O caso Eliza Samudio
Eliza Samudio desapareceu em 2010. O corpo dela nunca foi achado. A mulher tinha 25 anos e era mãe do filho recém-nascido do goleiro Bruno, de quem foi amante. Na época, o jogador era titular do Flamengo e não reconhecia a paternidade da criança.
Bruno Fernandes foi condenado pela Justiça de Minas Gerais, em março de 2013, a 17 anos e seis meses em regime fechado por homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, asfixia e uso de recurso que dificultou a defesa da vítima), a outros três anos e três meses em regime aberto por sequestro e cárcere privado e ainda a mais um ano e seis meses por ocultação de cadáver. A pena foi aumentada porque o goleiro foi considerado o mandante do crime, mas reduzida pela confissão do jogador.
Confira outros trechos da entrevista de Bruno:
Retorno ao futebol
Eu acho que preparação é o dia a dia. Se eu falar para você que eu estou preparado, para uma situação que eu ainda não vi, eu vou estar mentindo. Eu acredito que eu estou preparado par enfrentar, mas eu não sei o que há de vir. Mas sei que será pesado. Psicologicamente a gente vem trabalhando, aqui existem profissionais. Fisicamente, tem as ferramentas necessárias. Espiritualmente, acredito que aqui eu estou mais próximo de Deus. Pode ser daqui a um, dois anos, mas estou me preparando.
Copa de 2014 na prisão
Dependendo do jogo. Deixar bem claro, se for o Atlético-MG que estiver jogando, eu vou acompanhar. Eu sou atleticano. Bons jogos, uma final, eu sempre acompanho também. Mas não como antes. Antes qualquer jogo eu assistia. Mas muito pouco. Seleção quase não acompanho. A gente puxa até o coro, Atlético, quando meu Galo está jogando, eu acompanho. Eu não acompanho muito a Seleção porque eu olho, lembrando principalmente de Copa de 2014, que foi frustrante. Cada gol que o Brasil tomava, não é porque tem goleiros ruins, mas me doía porque eu sabia que tinha qualidade para estar ali. Na Copa, eu estava no Regime Disciplinar Diferenciado. Lá não pegava rádio, mas o pessoal se movimentou, porque Copa mexe com todo mundo. Nós conseguimos a liberação para ouvirmos. Ouvindo mais de 30 presos, improvisamos uma antena, o rádio chiava mais do que falava. Quando falava “Gooool”, era gol da Alemanha. E isso me doía, por isso que eu não consigo assistir jogos dos times que eu joguei, do Milan, porque eu tinha um pré-contrato assinado com o Milan. Eu ia para o Milan e acho que eu estaria entre os três na Copa do Mundo de 2014, no Brasil.
Amizade
Amizade são as pessoas que, quando você vem para o cárcere, estão do seu lado. Antes você nem imaginava, são as pessoas que te dão valor. Desde o início do cárcere estão comigo minha mãe , 83 anos, e a minha esposa, Ingrid, que está desde o início, encarou o mundo, independentemente se eu estava certo ou errado.
Problemas financeiros
Quando se fala Bruno, muita gente acha que eu sou um “Tio Patinhas” da vida. Acha que eu tenho uma fortuna guardada lá fora. Eu perdi tudo, perdi tudo. Financeiramente zerado. É um recomeço da minha vida.
Fragilidade psicológica
Eu não vou citar nomes. Mas, quando eu fui preso, no início do meu caso, lógico que você fica psicologicamente abalado. Qualquer coisa que o advogado te fala, você acredita. Então pessoas se aproveitam desta situação. Eu só tinha acesso a um advogado, geralmente você chega num presidio você fica 15 dias, lá eu fiquei 10 meses. Nestes 10 meses, acesso só ao meu advogado. Depois de 90 dias que eu tive acesso a minha família. Se eu tivesse tido contato com outras pessoas, até com outros presos, eles poderiam me orientar.
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