SEXO NA TERCEIRA IDADE: 94% CONSIDERAM IMPORTANTE, MAS ASSUNTO AINDA É TABU
A discussão sobre o sexo ainda é um tabu entre as pessoas e, quando se trata de sexo na terceira idade então, o preconceito aumenta. No entanto, uma pesquisa realizada pela psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade (Prosex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), revelou o que os idosos pensam sobre o assunto e 94,2% dos entrevistados responderam que o consideram importante (51,2%) ou muito importante (43%).
“Embora muita coisa tenha mudado e tenhamos a impressão de que hoje é mais natural falar sobre sexo, a sociedade ainda aborda essa temática com certa vulgaridade. Muitas mulheres temem julgamentos relacionados a certos comportamentos sexuais, o que acaba fazendo com que limitem o próprio prazer. Não é tão fácil nem tão rápido se libertar de padrões anteriormente impostos”, declarou a pesquisadora.
A professora Guita Grin Dedert, da Universidade de Campinas (Unicamp) realizou estudos sobre a erotização da velhice. “A pesquisa traz o que a gerontologia tem falado a respeito e o que as pessoas de mais idade falam sobre a vida sexual. O estudo mostrou que até muito recentemente, não se falava nisso, a velhice era vista como um momento do fim da vida sexual. Hoje há uma mudança. Não há como se falar em boa qualidade de vida, sem sexualidade satisfatória. Os médicos falam que há diminuição, mas, a tendência é mostrar que é muito melhor na terceira idade. Os homens tem que entender que o corpo todo é composto por áreas erógenas e as mulheres que podem se libertar da repressão de outras etapas da vida. O central não é a função erétil, é o corpo todo”, afirmou.
A antropóloga revela que a visão da velhice mudou. “Estão envelhecendo mais, mas,a própria visão da velhice é muito diferente, um novo mercado consumidor importante, tecnologias em todas as classes sociais, têm mais recursos. Um grupo específico de mulheres com 70 anos ou mais viram com muita satisfação a viuvez, porque as obrigações sexuais não tinham mais que ser cumpridas. Era uma geração que fazia mais por obrigação e reprodução e não como momento de prazer. Para os homens, a função erétil ainda é central. As novas gerações de mulheres velhas provavelmente vão tratar essa questão de outra maneira. A minha geração (tenho 66 anos) já vê o prazer sexual como direito e vive no contexto em que a vida boa implica vida sexual gratificante”, destacou Guita.
Doenças podem atrapalhar
O sexo na terceira idade, porém, pode encontrar barreiras que vão além do tabu. Pacientes com doenças reumáticas, por e podem ter dificuldades durante o sexo por diversos fatores. “A artrite causa dor, alteração na imagem corporal, deformidade (se vê de forma diferente), as medicações interferem na libido, altera a lubrificação, transtorno de humor. Não há restrições específicas, mas, são orientados a posições alternativas para quem tem acometimento de joelho, quadril. Estamos desenvolvendo um material de fácil compreensão para pacientes na sala de espera do ambulatório. É um tabu, não é uma temática muito presente na formação profissional. Temos que lembrar que é importante para a saúde física e mental, tanto como o sono ou alimentação. Na sala de espera, os pacientes já perguntam e falam espontaneamente da sexualidade”, destacou a coordenadora da Comissão de Artrite Reumatóide, da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Embora a artrite seja mais comum em faixa etária anterior à terceira idade, por ser uma doença crônica, acompanha os pacientes pelo resto da vida. Na Universidade de Brasília (UnB), o ambulatório de artrite reumatóide do Hospital Universitário trabalha a sexualidade com os pacientes e profissionais de saúde e pretende lançar uma cartilha para pacientes com orientações e posições alternativas, para aqueles em que a doença causa alguma limitação física. “Acomete mais as mulheres entre os 30 e 50 anos. Em paralelo entra a questão da sexualidade que a doença traz e entender quão frequente é o problema. Não é abordada adequadamente, então temos um material com orientações para médicos”, informou Lícia Mota, coordenadora da Comissão de Artrite Reumatóide, da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Doença não atrapalha
Maria Augusta Lins, 69, e Antônio Nunes, 73, casados há 55 anos, contam que os problemas de saúde não atrapalham a intimidade do casal. “Tenho artrose, mas, não sinto nada, nem dor na unha. Estamos sempre no médico, se cuidando. Na hora do amor, não dificulta. Ela é muito ativa, cozinha, lava. À noite quando se aquieta é que sente uma dorzinha. O amor continua do mesmo jeito. Nunca brigamos, sou muito rico pela família que tenho. A gente só anda assim de mãos dadas, é a corda e a caçamba, não sai sem o outro”, disse Antônio.
José Agripino, 71, e Verônica Costa, 63, frequentam o Clube da Pessoa Idosa. Para eles, a atividade física contribui para a saúde e para o relacionamento íntimo. “Temos uma filha solteira em casa e isso prende um pouco porque não queremos viajar e deixá-la só. De quando casamos para hoje, temos mais intimidade, respeito, fazemos as coisas com mais naturalidade. Engordamos mais. Ela é meio freio de mão, porque sou muito estressado. Fiz duas cirurgias de pulmão e coração ano passado e por um momento isso interferiu a vida íntima, a resistência era menor. Mas, hoje o médico liberou tudo, não tem restrição ao sexo. Claro, me canso mais, só que o coração está bom em todos os sentidos. Faço pilates e hidroginástica também, quero fazer duas atividades físicas por dia. No Clube da Pessoa Idosa há palestras sobre sexo, todo mundo tem muita experiência, conta piadas imorais (para menores de idade) que para a gente é natural. A gente não planeja quando vai fazer amor, acontece”, relatou o bancário aposentado.
Diálogo é o caminho para desmistificar
O terapeuta ocupacional da UnB, Pedro Tavares, explica que a melhora na comunicação entre profissionais de saúde e pacientes ajuda a desmistificar a sexualidade, apesar do problema. “A artrite não tem cura, vimos nas pesquisas do HU, a necessidade do paciente e dificuldade para atividades sexuais, desde as mais simples, como passear e manter a rotina de intimidade, preparar jantar, comer fora e até no próprio ato sexual. E da mesma forma, nas atividades cotidianas. É mais difícil, porque ele tem vergonha de falar e o profissional de perguntar. Passado esse primeiro problema, ele tem a demanda e temos como ajudar. É uma questão comum do envelhecer, artrite e artrose, desgaste da articulação. É muito tranquilo orientar a modificar as atividades”, declarou.
O diálogo aproxima da solução. “Se deixa de fazer porque dói em posição diferente, pode-se orientar quanto à medicação. Falar com o médico é importante, quase nunca relatam problema, o médico tem que saber e orientar. As soluções podem ser simples, mudar o esquema de medicamentos (algumas modificam a lubrificação e libido), no pico da ação analgésica, de repente um banho morno, que relaxa a musculatura, posturas diferentes, usar lubrificante à base de água e outras terapias. O importante é não ficar calado com o problema, favorecer a comunicação dos dois lados. Não é um tema fácil nem entre os estudantes, que têm receio em perguntar. É um tabu falar sobre sexualidade da pessoa idosa. Não é tanto uma questão de geração, é o meio social. Fala-se pouco de sexo em vários ambientes, é pouco discutido no sistema de saúde, nas consultas”, revelou Pedro.
“Manter a atividade sexual é uma das principais formas de qualidade de vida. Muito comum pegar pessoas casadas há mais de 20 anos, já tem dor e ter que lidar com mais essa questão. O próprio parceiro às vezes não entende. Pesquisas mostram o medo do paciente do que o profissional vai achar se ele perguntar isso e o médico teme invadir a intimidade, há uma falha na comunicação. A dor limita a atividade física, favorecendo o ganho de peso e a autoimagem. Não consegue se arrumar direito, se maquiar, muita fadiga, dor e cansaço, o sono não recupera, já acorda cansado, não tem energia para muita coisa”, concluiu Pedro.
Longevidade traz desafios
Em 15 anos, a população acima de 60 anos cresceu 3,27% na Paraíba. Diversos desafios surgem para essa camada da população, como a mobilidade e saúde. Em todo o Estado há apenas 18 geriatras, especialista que cuida da saúde do idoso. Mas, a explicação para a mudança na pirâmide etária compreende um conjunto de fatores. O geógrafo Sinval Almeida aponta que em 50 anos, o crescimento populacional chegará ao nível zero. “As pessoas estão envelhecendo mais porque diminuiu a taxa de natalidade. O custo da reprodução humana é muito caro na sociedade urbanizada, filho é muito caro à medida que o planeta se urbaniza. O Brasil é 85% urbanizado. No campo, um filho é um braço a mais, na cidade, uma boca a mais. Associado a isso, a inserção da mulher no mercado de trabalho a eleva à condição de cidadã, política, independente, que decide quantos filhos vai ter e estão tendo menos. Está tudo interligado”, esclareceu o professor.
Para Sinval, professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba, o acesso à educação também interfere na geografia da população. “Homens e mulheres passam a planejar a vida. Isso faz com que a taxa de natalidade se rebaixe. No futuro o crescimento demográfico vai zerar. Quanto mais diminuir o ritmo de crescimento, automaticamente envelhece mais porque aumenta a expectativa de vida, o acesso a métodos anticoncepcionais, acesso à informação. As pessoas estão vivendo mais, porém, doentes, obesidade, problemas gástricos. A mortandade da juventude no Brasil também interfere no envelhecimento, que poderia ser maior. Hoje gira em torno de 75 anos para a mulher e 72,5 anos para o homem. Poderia ser 77 se não tivesse essa mortalidade enorme, majoritariamente masculina”, apontou.
Sinval enuncia que se não houver cuidados na área de saúde, no futuro a população precisará muito mais de remédios. “vamos ter uma população dependente de medicamentos. O Brasil não tem uma efetiva discussão educacional. A população está tendo muita mudança demográfica, mas, não está muito informada. Talvez 20% ainda tenha carência alimentar e outra parte está obesa, com problemas de pressão e coronários. Não é vantagem envelhecer com população doente, que vai ficar muito cara ao sistema de saúde. Muito sal, gordura e açúcar, precisa de reeducação alimentar para reduzir o câncer, depressão, estresse e viver mais 10 anos. Em 30 anos, a expectativa aumentará para 85 anos”, concluiu.
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