Só prova satânica selaria em definitivo ligação entre Temer e Loures, diz Janot
Seria preciso uma “prova satânica, quase impossível” para selar definitivamente a ligação entre Michel Temer e a mala com R$ 500 mil carregada por seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures.
Assim o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, rebateu críticas de que a inédita denúncia de corrupção passiva contra um presidente em exercício, que apresentou na segunda (26), é frágil —faltaria a “prova cabal” para associar o peemedebista ao dinheiro.
Janot fez um trocadilho com “prova diabólica”, termo jurídico que significa prova excessivamente difícil de ser produzida.
O problema é que ninguém “passa recibo” para esse tipo de atividade ilícita, então o fundamental é “olhar a narrativa” e “apresentar indícios fortes” que liguem o denunciado ao crime, disse Janot neste sábado (1), em debate no 12 Congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
Já há 20, 25 anos, em começo de carreira na Procuradoria, ele e colegas se questionavam sobre o tema, contou. “Não é possível que, para pegar um picareta, tenho que tirar fotografia do sujeito tirando carteira do bolso do outro. Esse tipo de prova é satânica, quase impossível.”
E veio a pergunta da plateia: a evidência seria satânica pela dificuldade de obtê-la ou pelo sujeito a que se refere? Era uma chacota com o falso boato de que Temer seria adepto do satanismo.
Janot estava ali na condição de “entrevistado mais procurado da República”, brincou a mediadora do debate, a jornalista Renata Lo Prete (Globo News). “Mas sem tornozeleira [eletrônica]”, rebateu um bem-humorado Janot.
Em uma hora e meia de conversa, ele falou sobre a polêmica delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista e contemporizou as alardeadas divergências com sua sucessora na PGR, Raquel Dodge, e com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes.
Com ambos conserva apenas rachas “teóricos”, afirmou o procurador que chegou a dizer, sem mencionar o nome, que Mendes teve uma “disenteria verbal” após o ministro acusar, em março, a Procuradoria de repassar informações sigilosas da Lava Jato para jornalistas.
Lo Prete provocou, lembrando que o próprio Gilmar lhe sugeriu formular assim uma questão sobre a relação dos dois: “O Brasil inteiro já entendeu que os senhores não se gostam”.
“Não tenho nenhum conflito com ele, zero”, respondeu Janot. “Todas as vezes em que tive que me dirigir a ele de uma maneira um pouco mais dura”, afirmou, “foi legítima defesa”.
Lembrou que ele e Gilmar são da mesma geração e tomaram posse na Procuradoria juntos, em 1984. Naquela década, Janot foi estudar na Itália, e o colega, na Alemanha. O hoje procurador-geral contou que volta e meia visitava Gilmar no país vizinho, e eles tomavam “sorvete” (logo depois consertou: sorvete, não, “cerveja!”).
“Éramos do mesmo grupo. A vida foi encaminhando cada um para o seu lado.”
Definiu como “legítima” a escolha de Raquel Dodge, que tomará seu lugar quando ele deixar a chefia da PGR, em setembro. Temer a pinçou da lista tríplice para o cargo promovida pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República). Ela era a segunda colocada, em detrimento do postulante mais votado, Nicolao Dino, próximo a Janot.
“O importante é o nome ser escolhido dentro da lista, e isso ele [Temer] fez.”
O procurador disse “fazer parte do processo” recentes decisões do Supremo Tribunal Federal que reverteram dois entendimentos da PGR: a soltura do “deputado da mala”, Rocha Loures (PMDB-PR), e o retorno de Aécio Neves (PMDB-MG) ao Senado.
Outro tópico em debate: a imunidade aos irmãos Joesley e Wesley Batista teria sido excessivamente benevolente? Janot foi enfático: faria tudo de novo. “Se você me perguntar se eu faria de novo, hoje afirmo tranquilamente que faria.”
Pediu, então, que mudassem “o foco da questão”. “Vocês estariam me perguntando assim: ‘Você é um louco… Como alguém chega, lhe apresenta altas autoridades da República praticando crime em curso [do mandato], e você não faz nada, não aceitou fazer acordo com essa pessoa? Você deixou que o crime continuasse a ser praticado.”
O procurador remontou a negociação com Joesley: o futuro delator diz que não abre mão da “não denúncia” e revela uma “provinha” do que tem. “Aí mostra um pedaço da gravação [com Temer].”
Que escolha ele tinha? A de Sofia, disse Janot: “Vou não fazer o acordo e fingir que não vi isso?”.
“É fácil ser herói retroativo” e questionar o acordo agora, diz Janot, que logo argumenta: caso se recusasse a negociar com os irmãos Batista, o caso judicial contra eles iria à primeira instância, e lá se iriam anos de processo arrastado na Justiça.
“O cara não deixou de ser bandido”, afirmou. Mas não se contentaria com menos: para entregar os peixes grandes, não poderia ser denunciado. Era sua condição. “Não adianta chegar para o colaborador e dizer: ‘Meu amigo Joesley, venha aqui. Vou te propor acordo, beleza? Vou te dar uma caixa de bombom Garoto. Gosta de pão de mel? Vou te dar pão de mel.”
Indagado pelo público, o mineiro falou ainda sobre sua segurança, uma vez que suas denúncias atingem altas autoridades do país. “Na minha terra dizem assim: para morrer, basta estar vivo. Sim, eu ando com segurança, já recebi ameaça, não vamos ser ingênuos. Masm na minha cabeça e na dos meus colegas, é o seguinte: se acontecer alguma coisa comigo, a confusão é muito maior. Eles têm é que estar rezando para eu não escorregar no sabão e bater a cabeça na banheira.”
O procurador terminou sua participação no congresso dizendo que pretende aproveitar ao máximo o tempo que lhe resta no cargo. “Enquanto houver bambu, lá vai flecha. Até o 17 de setembro, a caneta está na minha mão. Vou continuar nesse ritmo.”