No primeiro dia de exercício militar, Rússia e China enviam sinal aos EUA
No dia em que a Rússia começou os maiores jogos de guerra desde 1981, com um grau inédito de participação da China, os presidentes dos dois países se reuniram para sinalizar sua oposição a políticas do governo de Donald Trump nos EUA.
“Numa situação internacional com instabilidade e imprevisibilidades cada vez maiores, a cooperação entre a Rússia e a China é ainda mais importante”, afirmou o chinês Xi Jinping, que disse que os países “se opõe juntamente ao unilateralismo e ao protecionismo comercial”.
Pequim está nos estágios iniciais de uma guerra comercial contra Washington. Para o presidente Vladimir Putin, anfitrião do encontro entre os dois num fórum econômico em Vladivostok (Extremo Oriente russo), “nós temos uma relação de confiança com a China”.
Moscou também está sob pressão americana. Desde 2014, enfrenta ondas sucessivas de sanções econômicas devido à anexação da Crimeia da Ucrânia. Até aqui, a economia russa sobreviveu a uma recessão e está contando com a alta renovada dos preços do petróleo, mas o crédito ao país está asfixiado no Ocidente.
Este ano, em que Putin foi reeleito de forma consagradora em março, sediou uma Copa e teve queda expressiva de sua popularidade devido a uma proposta de reforma da Previdência nos meses seguintes, também viu a agudização do azedume político com as acusações de que o Kremlin tentou matar um ex-espião russo na Inglaterra.
Enquanto seus líderes esgrimiam argumentos contra Trump, os dois países participavam de uma demonstração de força mais efetiva.
Esta terça (11) foi o primeiro dia do exercício militar Vostok-2018, que ocorre no leste siberiano e conta com a maior mobilização de tropas em tempos de paz desde 1981 —quando a Rússia ainda era o coração da União Soviética e levou entre 100 mil e 200 mil soldados para a Polônia.
Agora, os russos colocaram um terço de todas as suas tropas, 300 mil homens, em dois campos de prova, quatro bases aéreas e em três mares ligados ao Pacífico. Eles serão apoiados por 36 mil blindados e mil aeronaves, entre helicópteros, aviões de transporte, caças e bombardeios avançados como o Sukhoi-34.
Mais importante politicamente, contam com 3.200 chineses amparados por 30 aeronaves, o maior deslocamento de soldados de Pequim para o exterior desde 1979.
Naquele ano, a ditadura lutou contra o governo comunista vietnamita, que havia invadido o vizinho Camboja. Agora, oficiais chineses querem aprender técnicas de combate que os russos utilizam em suas operações na Síria, onde o Kremlin apoia o ditador Bashar al-Assad em sua guerra civil desde 2015.
No caso, o “fechamento” de espaço aéreo com baterias de mísseis avançadas e emprego coordenado de aviação de ataque. Além disso, haverá manobras navais conjuntas com novas fragatas russas, que irão operar no Ártico, região cujo gás vem sendo explorado conjuntamente por Moscou e Pequim em projetos bilionários como o de Iamal.
“Naturalmente, é mais barulho político. Mas há grande importância militar, em especial no treinamento de transporte de tropas por grandes distâncias, a fase que antecede os cenários ofensivos e defensivos”, afirmou por e-mail o analista Ivan Barabanov, de Moscou.
Rússia e China não estão sozinhas em sua flexão de músculos. Entre outubro e novembro, a Otan (aliança militar ocidental) fará um exercício multinacional com 40 mil homens no norte europeu. “As mensagens trocadas são cristalinas: estamos preparados para a guerra”, resumiu em artigo publicado pela Bloomberg o almirante americano James Stavridis, que foi comandante da Otan.
O secretário da Defesa dos EUA, James Mattis, disse nesta terça em Washington que não vê Pequim e Moscou alinhadas por muito tempo.
Ele se ampara na história: os países já foram duros rivais, e hoje a Rússia teme que seu desabitado leste sucumba a pretensões chinesas no futuro.
Os diversos acordos energéticos e militares entre os países são vistos com reservas por alguns analistas, que temem apenas a canibalização de recursos russos. Mas, assim como ocorre com Irã e Turquia na Síria, a aliança pontual serve pragmaticamente a Putin.
Para Xi, pressionado também pelos EUA, é a chance de alimentar um cenário de pesadelo usual de analistas americanos: uma guerra no Pacífico contra interesses de Washington com a China aliada à Rússia. Um bônus é a presença de oficiais da Mongólia, país periférico de longa rivalidade com os chineses, no exercício.
A respeito dos turcos, até aqui não houve resposta de Ancara ao convite de Moscou para participar do Vostok (leste, em russo).
Os jogos acabam sábado (15), o que sugere que a divulgação da oferta teve mais a ver com uma sinalização a Trump, cujas sanções contra os turcos está agravando a devastação da economia do país.