Defesa alega perseguição a Trump e diz que convocação à luta foi ‘retórica política’
Após 12 horas de acusação, marcadas por vídeos inéditos e uma narrativa emocional do ataque ao Capitólio, foi a vez da defesa de Donald Trump entrar em campo nesta sexta-feira (12). No quarto dia do julgamento de impeachment do ex-presidente, seus advogados sustentaram que o republicano é vítima de perseguição política e não foi responsável por incitar a invasão ao Congresso. Segundo eles, o julgamento no Senado representa “a cultura do cancelamento constitucional.”
Em uma apresentação de pouco mais de três horas, a defesa tentou conferir novo significado às palavras de Trump, classificando a acusação de “mentira absurda e monstruosa”, sob a tese de que o discurso do ex-presidente – pedindo que apoiadores “lutassem como nunca” em 6 de janeiro – faz parte de uma retórica política comum, usada inclusive por democratas, e protegida pelo direito à liberdade de expressão.
“[Falar em lutar] É retórica política, linguagem usada por políticos em todo o mundo, por centenas de anos”, disse Bruce Castor, um dos defensores de Trump.
“Esse julgamento envolve muito mais do que Donald Trump, é sobre silenciar o discurso com o qual a maioria não concorda, cancelar os 75 milhões de votos que ele teve, e criminalizar pontos de vista políticos.”
O advogado Michael Van Der Veen, que usou a expressão sobre a cultura do cancelamento – nome dado às reações negativas nas redes sociais– para se referir ao processo, seguiu a mesma linha: “Historicamente vamos lembrar desse esforço vergonhoso como uma tentativa deliberada do Partido Democrata de difamar, censurar e cancelar não apenas o presidente Donald Trump mas os 75 milhões de americanos que votaram nele.”
Para corroborar seus argumentos, os advogados lançaram mão de recursos incendiários, como é habitual da postura do ex-presidente. Exibiram um vídeo de dez minutos, com imagens editadas e descontextualizadas, de políticos democratas usando linguagem combativa e variações da expressão “é preciso lutar”.
Em uma das passagens, a senadora democrata Elizabeth Warren, que estava no plenário do Senado nesta sexta, apareceu discursando na Marcha das Mulheres, em 2017. “Temos que lutar de volta”, afirmava.
Em outra, o secretário de assuntos de veteranos do governo Biden, Denis McDonough, dizia: “Sou um lutador, e sou implacável”. A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, também apareceu na seleção de vídeos, assim como a cantora Madonna e o ator Johnny Depp, este perguntando “qual foi a última vez que um ator assassinou um presidente?” – Depp se desculpou pela declaração.
“Não mostrei esses discursos robustos para desculpar ou equilibrar o discurso de meu cliente, pois não preciso”, disse Michael Van Der Veen, também advogado de Trump. “Mostrei porque, neste fórum político, todo discurso robusto deve ser protegido uniformemente.”
A rapidez dos defensores já era esperada, assim como os principais eixos de sua tese:
1) o ex-presidente não pode ser responsabilizado pela ação do grupo que invadiu o Capitólio;
2) seu discurso é figurativo e está protegido pela Primeira Emenda da Constituição americana, que versa sobre liberdade de expressão;
3) processar o impeachment de um ex-presidente é inconstitucional.
Este último ponto, porém, já havia sido vencido na terça-feira (9), primeiro dia de julgamento, quando o Senado decidiu, por 56 votos a 44, que Trump poderia, sim, ser julgado mesmo fora do cargo.
Durante a acusação, os democratas se referiram diversas vezes às declarações de Trump durante o comício horas antes da invasão do Capitólio. No evento, o ex-presidente pede que seus apoiadores “lutem como nunca” e marchem até o Congresso, que certificava naquele momento a vitória de Biden.
Segundo os advogados de Trump, as declarações do ex-presidente foram distorcidas, já que ele sempre defendeu “a lei e a ordem”.
Van Der Veen sugeriu incorretamente que os invasores do Congresso eram “extremistas de diferentes matizes e convicções políticas”, apesar de os vídeos e áudios daquele dia mostrarem pessoas com bandeiras e bonés com o nome de Trump, muitas delas dizendo que estavam ali por causa do ex-presidente.
Os advogados não pretendiam minimizar a violência do ataque, que deixou cinco mortos e aterrorizou os senadores. Chamaram o episódio de “tragédia” e “acontecimento ilegal”, mas se diferenciaram em um ponto crucial da acusação ao defender que Trump não teve nada a ver com o ocorrido.
O argumento serve para contemplar senadores republicanos que desejam ser vistos como condenadores de atos violentos, sem precisar punir o ex-presidente.
Para ser declarado culpado, Trump precisa receber os votos de 67 dos 100 senadores –cenário hoje considerado improvável. Isso porque o Senado é dividido entre 50 votos para os democratas e 50 para os republicanos, e não há apetite político de 17 correligionários rifarem Trump neste momento.
A base do Partido Republicano tem se radicalizado à direita, e os parlamentares – que vão disputar eleições legislativas no próximo ano – não pretendem arriscar perder uma fatia importante do eleitorado.
Apesar de terem direito a 16 horas para fazer a argumentação de defesa, os advogados de Trump – sabendo que o risco de perder o caso é baixo – preferiram terminar sua exposição em apenas um dia.
Encerradas as apresentações de acusação e defesa, os senadores entraram na fase de enviar perguntas por escrito para acusação e defesa e, se não houver a convocação de testemunhas, como está previsto, o veredito deve sair neste fim de semana.
A apresentação da defesa de Trump nesta sexta foi observada com atenção após o desempenho considerado fraco e desorganizado na terça, quando os advogados precisavam defender a inconstitucionalidade do julgamento – e foram derrotados nessa votação, que exigia apenas maioria simples.
Naquela sessão, apenas seis senadores republicanos votaram com os democratas para seguir com o julgamento, bem longe dos 17 dissidentes necessários para a condenação de Trump, mas suficientes para fazer o processo continuar.
O senador republicano Bill Cassidy (Lousiana), por exemplo, disse que mudou de voto e chancelou a constitucionalidade porque a defesa fizera um trabalho “terrível”, mas poucos acreditam que ele votará pela condenação.
Nos três primeiros dias de julgamento, os democratas criaram uma linha do tempo até 6 de janeiro para tentar provar que Trump gestou o ataque ao Congresso por meses, incitando os apoiadores, sem remorso.
A conclusão democrata é que, caso não seja condenado, Trump pode inflamar mais violência se voltar à Casa Branca. Condenado, ele poderia perder seus direitos políticos e não concorrer de novo às eleições.
FOLHAPRESS