Em 5 anos, Brasil deixa de gastar 30% para impedir entrada de epidemias
Em cinco anos, o governo federal deixou de gastar 30% do orçamento previsto para o combate à entrada de epidemias e surtos por meio dos aeroportos, portos e fronteiras. Os dados foram obtidos junto ao Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira) no portal Siga Brasil, do Senado Federal.
Para especialistas, o dinheiro que deixou de ser gasto não teve impacto direto na entrada do vírus da zika no país, mas diminui a capacidade de o Brasil responder com rapidez à entrada de doenças contagiosas, como o ebola.
Estavam previstos R$ 96,6 milhões para “vigilância sanitária em portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados” nos anos de 2011 a 2015. No entanto, só R$ 66,9 milhões (70% do total previsto) foi efetivamente gasto neste período –ou seja, R$ 29,7 milhões deixaram de ser usados.
Um dos fatores que explica essa sobra são os cortes de verbas que acontecem no meio tempo. Em 2014, por exemplo, quando o país recebeu a Copa do Mundo e logo depois dos protestos que tomaram o país, o governo cancelou R$ 5,3 milhões dos R$ 20,4 milhões previsto para vigilância sanitária. Ao todo, nos últimos cinco anos, o corto chegou a R$ 8,1 milhões.
Em 2016, ano das Olimpíadas no Brasil, o orçamento para a área é numericamente maior que o de 2015: R$ 17 milhões ante R$ 16 milhões. Mas se levarmos em conta a variação da inflação no período (10,6% segundo o IPCA), o montante é 4% menor.
Fronteira mais vulnerável
O controle da entrada de doenças altamente contagiosas por portos, aeroportos e fronteiras é feito em conjunto por equipes de saúde dos Estados e municípios e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Mas quando um caso suspeito é identificado em um aeroporto é a Anvisa que deve ser acionada para isolar o paciente ou desinfetar ambientes ocupados pelo viajante. Foi o que aconteceu em 2014, quando um paciente vindo da Guiné chegou ao Paraná com suspeita de ebola. Ele foi identificado, isolado por agentes da fronteira e encaminhado ao Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, no Rio.
Para o presidente da Univisa (Associação dos Servidores da Anvisa), Henrique Mansano, os cortes deixam o Brasil mais vulnerável:
Cortar gastos em uma área tão sensível é um tiro no pé, sobretudo em ano que teremos Olimpíadas e um enorme fluxo de pessoas e mercadorias de todas as partes do mundo
“Hoje, estamos discutindo doenças que precisam de um vetor, como o mosquito, para serem transmitidas. Mas se queremos evitar que doenças inéditas no Brasil entrem no país, deveríamos priorizar os investimentos em ações de vigilância sanitária”, diz ele.
Segundo ele, a Anvisa precisa de 4.000 servidores, mas só tem metade disso. Além disso, parte está aposentando-se. “Se não houver concurso, vamos enfrentar falta de pessoal”, disse Mansano.
Procurada pela reportagem, a Anvisa respondeu que não houve falta de recursos para a implementação das ações de vigilância sanitária nas fronteiras e que os valores aprovados para 2016 são “compatíveis com os projetos planejados”. Estes valores, disse o órgão, são calculados de acordo com os custos reais das contratações pretendidas.
A Anvisa reconheceu, porém, a necessidade de realizar um novo concurso para que a reposição de pessoal seja feita “no mais breve espaço de tempo”.
“A rigor, a única maneira de evitar totalmente a entrada de alguma doença em qualquer país do mundo seria o fechamento total e absoluto de suas fronteiras, um medida extrema e, ainda assim, sujeita a falhas”, diz nota da agência sanitária, ressaltando que, no caso da zika, 80% das pessoas não manifesta sintomas, então é difícil a identificação.
Segundo a especialista em epidemiologia Leila Posenato, realmente é inviável fazer a triagem de pessoas aparentemente saudáveis que entram no país, mas é preciso um sistema de vigilância forte e eficiente para identificar casos suspeitos e evitar uma epidemia. “Para isso, precisamos de recursos tanto humanos quanto de infraestrutura. Todo corte de gastos nessa área afeta a qualidade do trabalho”, afirmou ela.
O sanitarista Geraldo Lucchesi, autor do estudo “Globalização e Regulação Sanitária: os rumos da vigilância sanitária no Brasil”, ressalta que o atual sistema é considerado muito bom, mas também defende que um corte de verbas afeta a nossa velocidade de resposta a uma emergência.
“Quando tivemos suspeitas de casos de ebola no Brasil, nossa resposta foi rápida porque havia uma estrutura ali. Diminuir o dinheiro pode impedir esse sistema de se aperfeiçoar”, disse.
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