Alcymar: “cultura” foi trocada por “moda” no São João
O cantor e compositor Alcymar Monteiro rebateu neste final de semana declarações do coordenador de comunicação da Prefeitura de Campina Grande, Marcos Alfredo, sobre as críticas de artistas à programação de ‘O Maior São João do Mundo’ para 2017 por inserir atrações de renome nacional.
Marcos Alfredo chegou a afirmar que as críticas só estavam sendo feitas porque os artistas não foram contemplados na agenda de eventos e com grandes cachês. Ainda segundo Marcos Alfredo, a grade de eventos atende ao gosto do público que lota o Parque do Povo e que ninguém deve ter cadeira cativa na festa.
De acordo com Alcymar Monteiro, ele está defendendo a cultura que é um bem imaterial e que vai além de valores comerciais.
“Cultura é dever. Dever constitucional. Cultura é direito humano fundamental. Está no artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, se o senhor não sabe. Cultura é a forma pela qual passamos nossas histórias, nossas danças, nossas músicas, nossa linguagem; enfim, nossa identidade, aos nosso filhos e netos. Cultura é, portanto, tão importante e essencial quanto saúde”, desabafou.
Para Alcymar Monteiro, não se pode trocar “cultura” por “moda”.
Confira na íntegra
Caro Coordenador de Comunicação de Campina Grande, Marcos Alfredo Alves,
Teria dado como encerrada a polêmica sobre o “São João” de Campina Grande, mas sua réplica, e minha presença hoje no Festival Viva Dominguinhos não me permitiram ficar sem uma tréplica.
E por qual motivo a minha presença nesse Festival, que se realiza anualmente na cidade-mãe do Mestre Dominguinhos, Garanhuns, me fez escrever essa resposta? Um motivo singelo: esse evento desmonta completamente a falácia de vocês que falam em “modernizar” a grade das festas juninas, como se isso fosse garantia de maior público e renda para a cidade.
Coordenador, o senhor e o prefeito, conjuntamente a empresa pernambucana Aliança, partem de uma falsa premissa de que uma grade recheada de “atrações nacionais” invalida a presença de figuras históricas da música nordestina que, ao contrário do que o senhor disse, se não têm com certeza deveriam ter cadeira cativa no seu São João.
Coordenador, o senhor fala em terceirizar despesas. E a partir daí já me perdeu no seu texto, tão bem escrito… Me perdeu pelo fato de sua visão de mundo, e creio que a de seu chefe, colidir tão frontalmente com a minha: enxergar o investimento em cultura popular como meramente uma rubrica orçamentária, uma “despesa”.
Coordenador, cultura não é despesa. Cultura é dever. Dever constitucional. Cultura é direito humano fundamental. Está no artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, se o senhor não sabe. Cultura é a forma pela qual passamos nossas histórias, nossas danças, nossas músicas, nossa linguagem; enfim, nossa identidade, aos nosso filhos e netos. Cultura é, portanto, tão importante e essencial quanto saúde.
Muito me magoa sua ideia de que eu ou algum de meus colegas de profissão publicou qualquer crítica por estar somente “de fora da grade”. Pessoalmente publiquei um vídeo falando da desvalorização do ritmo forró, intrínseca e indissociavelmente ligado ao São João, em detrimento a ritmos exógenos à nossa realidade.
Coordenador, sem nenhuma falsa modéstia e do alto dos meus mais de 35 anos de carreira artística lhe digo uma coisa: se Alcymar Monteiro, Santanna, Genival Lacerda (e seus 50 anos de carreira!) Jorge de Altinho, Zé Ramalho, Flávio Leandro, Petrúcio Amorim, Geraldo Azevedo, e tantos outros ficaram de fora de Campina Grande, a perda é de vocês. Aliás, de vocês não, do POVO de Campina Grande sim.
E digo mais, Coordenador. E digo com todas as letras, para que fique consignado para a história e bem claro. O que a gestão a qual o senhor faz parte está fazendo com o São João de Campina Grande é crime de lesa-cultura. O senhor não pode, sob o guarda-chuva de “popularidade de ídolos” calar a voz de dezenas de artistas que têm um compromisso com a cultura NORDESTINA.
Há espaço para todos os ritmos em todos os locais. Não sou ingênuo para achar que grandes eventos de massa não são regidos também por interesses comerciais. Mas não podem ser regidos SÓ por interesses comerciais. O senhor fala em parceria público-privada, em profissionalização, todas palavras muito bonitas para qualquer empresa que cuide de qualquer área PRIVADA. Aqui não, Coordenador.
O senhor está cuidado de um bem imaterial DO POVO. O senhor está cuidando da herança que essa geração deixará para a próxima. Cultura nunca deu nem nunca daria “lucro”. O “lucro” da cultura é saber que os valores dos seus pais, Coordenador, estão imbuídos no senhor através daquela fogueira que, espero, o senhor tenha pulado, ouvindo Luiz Gonzaga, comemorando com sua família em idos passados.
O senhor ainda faz uma pergunta aberta, querendo saber se as críticas ocorreriam se os artistas que criticam estivessem na grade. Faço questão de vestir a carapuça e lhe dizer com toda franqueza: sim.
Enquanto dirigentes públicos buscarem o aplauso momentâneo de grupos que se locupletam da cultura, que estão ali apenas pela força e poder do dinheiro, serei um crítico feroz. Sou compadre de Luiz Gonzaga, e meu compadre me disse que “Moda é igual sapato velho. Todo ano a gente joga fora”.
Então, Coordenador, ficamos assim. Eu daqui do meu lado defendendo a bandeira do que acredito como verdadeira cultura, mesmo indo de encontro ao que está “na moda”. Estarei eu aqui, cantando para mais de 50.000 pessoas em Garanhuns, em honra ao Mestre Dominguinhos. E o senhor, daí, “profissionalizando” o “São João” de Campina Grande. Fazer uma grade de São João por conveniência não engrandece currículo de político algum.
Desmerecer artistas que deram e dão o sangue e a vida pela cultura NORDESTINA é digno de vergonha. Não é digno de censura pois censura é o esconderijo dos covardes.
Parafraseando Vandré também, queria dizer que “somos todos iguais, braços dados ou não”. Que tenho certeza que no fundo da alma dos atuais gestores de Campina Grande o que eles fazem está certo, e é o melhor para o povo. Do contrário não conseguiria viver nesse mundo. Não aceitaria pensar que gestores públicos estão pensando primeiro em cifrões e não em seus deveres com seus governados. Me entristece apenas saber que o estrago já estará feito, e será de difícil reparo, quando os senhores enxergarem o quão cegos e errados estão.
O que me preocupa é aquela criança de 5 anos, em formação de personalidade, que vai pela primeira vez com os pais ao Parque do Povo. Ela se verá no palco? Estará no palco uma representação de uma cultura dela, que ela possa se identificar, gostar, preservar e levar para seu futuro? Não. Estará no palco a representação momentânea e efêmera desses tempos loucos, de poucos valores e muitas desvirtuações que vivemos. Estará no palco a escolha de um gestor público pela moda, e não pela cultura. Estará no palco, ao vivo e a cores, a morte da cultura nordestina-brasileira. Aplaudida e cantada, uníssono.
Alcymar Monteiro,
Garanhuns, 21/04/2017