Lula diz que nota de instituto sobre tríplex não teve seu aval
O depoimento de Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz Sergio Moro, na quarta-feira (10), teve momentos em que o ex-presidente contradisse pontos de sua defesa divulgados anteriormente, como uma nota do Instituto Lula de 2016.
Na audiência, Lula afirmou, por exemplo, que desconhecia benfeitorias no tríplex em Guarujá (SP) e que não falou a respeito com sua mulher, Marisa Letícia.
Um dos procuradores do caso, Roberson Pozzobon, no entanto, perguntou acerca de nota divulgada no início do ano passado sobre o caso que afirmava que reformas e modificações no imóvel “naturalmente seriam incorporadas ao valor final da compra”.
Lula respondeu ao procurador que não é dirigente do instituto e que os comunicados são elaborados pela direção “em combinação com os advogados que conhecem o projeto e o processo todo”.
“Nem sempre quando a nota é feita eu estou no instituto, nem sempre eu estou em São Paulo. Às vezes eu fico sabendo da nota pela imprensa”, afirmou.
Ele não especificou se o conteúdo da nota era correto e repetiu que “não tinha conhecimento” das reformas.
“O espírito da nota é dizer que, mesmo se tivesse tudo certo, depois do carnaval feito em cima do tríplex, mesmo que eu tomasse a decisão [de compra], não tinha como utilizar o apartamento, porque aquilo
virou uma coisa ‘bichada’.”
SÍTIO
Lula também falou, em seu depoimento, que tratou de um projeto de cozinha em Atibaia (SP) com Léo Pinheiro e com Paulo Gordilho, um arquiteto da empreiteira.
O sítio utilizado por Lula no interior de São Paulo não é tema da ação penal na qual ele foi ouvido, mas o assunto foi levantado quando a Procuradoria perguntou sobre um encontro com o petista relatado pelo empreiteiro, em depoimento em abril.
Lula disse que nem se lembrava da visita do empresário a seu apartamento em São Bernardo do Campo (SP) e afirmou que não foi discutida a compra do tríplex.
“Acho que eles tinham ido discutir a cozinha, que também não é assunto para discutir agora, lá de Atibaia. Eu acho”, disse Lula.
O procurador insistiu no tema do encontro, e o petista reafirmou que discutiu “apenas a questão da cozinha”.
Desde a revelação de que frequentava um sítio em Atibaia que teve obras bancadas pela Odebrecht e pela OAS, a defesa de Lula vem afirmando que o sítio não é dele. Os donos formais, Jonas Suassuna e Fernando Bittar, são sócios de um dos filhos dele.
Em outro momento do interrogatório, Lula disse que não iria falar a respeito da propriedade rural. “Quando chegar o inquérito do sítio, terei um imenso prazer de estar aqui. Mas agora é hora de resolver o tríplex.”
A investigação sobre o caso ainda não foi encerrada e não virou ação penal.
VACCARI
No interrogatório desta quarta, Moro afirmou que o ex-presidente deu respostas diferentes para uma mesma pergunta, sobre a relação entre o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o ex-diretor da Petrobras Renato Duque.
Ao falar sobre os diretores da estatal, Moro perguntou quem sugeriu o nome de Duque, preso há mais de dois anos, para a área de Serviços da companhia e também se o petista tinha conhecimento de “alguma relação” do ex-diretor com Vaccari. Lula disse “não sei” e acrescentou: “Sei que tinha porque na denúncia [dos procuradores] aparece que tinham.”
Um minuto e meio depois, Lula falou sobre encontro que teve com Duque, no Aeroporto de Congonhas (SP), e contou que foi Vaccari quem articulou a reunião. “Pedi para o Vaccari, porque eu não tinha amizade com o Duque, trazer o Duque para conversar.”
Moro, a seguir, disse: “Há pouco perguntei se o senhor conhecia, sabia se eles tinham uma relação e o senhor disse que não. Então o senhor sabia que eles tinham?”
O ex-presidente, então, respondeu que “relação de amizade é uma coisa e relação é outra”.
O encontro foi revelado na última sexta (5) por Duque, que insinuou que Lula pediu que ele fechasse contas no exterior, já com a Lava Jato em andamento. Lula disse que apenas perguntou se o ex-diretor tinha conta fora do país e que, ao receber a negativa, não insistiu no assunto.
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O depoimento em cinco pontos
Os principais assuntos do interrogatório de Lula
Marisa Letícia
Lula atribuiu à ex-primeira-dama, que morreu em fevereiro, decisões sobre o tríplex. Disse, por exemplo, que, sem que soubesse, ela visitou o imóvel em 2014, período em que ele diz já ter desistido do negócio
“Eu não sabia que tinha tido visita. Não sei o senhor tem mulher, mas nem sempre ela pergunta para a gente o que vai fazer.”
Renato Duque
O petista confirmou que teve um encontro com o ex-diretor da Petrobras, que na semana passada relatou que reunião ocorrida em hangar do Aeroporto de Congonhas, em 2014. Lula afirmou que quem organizou o encontro, a seu pedido, foi o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que hoje está preso no Paraná
“Tinha vários boatos no jornal de corrupção, de conta no exterior. Pedi para o Vaccari trazer o Duque para conversar. Não tenho ideia, doutor [da data]. A pergunta que eu fiz para o Duque foi simples: tem matérias nos jornais, tem denúncias de que você tem dinheiro no exterior, pegando da Petrobras. Você tem conta no exterior? Ele disse: “Não tenho”. Acabou.”
‘Não sabia’
O ex-presidente, em diversos momentos, negou ter conhecimento de questões apontadas pela acusação, entre elas a armazenagem de bens paga pela OAS. Lula falou que não sabia de irregularidades na Petrobras e que não escolhia os nomeados para o segundo escalão
“Quem monta cartel para roubar não conta para ninguém. O presidente da República não participa do processo de licitação da Petrobras.”
‘Caçada jurídica’
Lula se queixou de perseguição pelo Ministério Público Federal e pelo Judiciário. Sugeriu uma investigação sobre a montagem do ministério do governo de Michel Temer e relembrou episódios da Lava Jato, como a busca em seu apartamento e a divulgação de conversas de sua família
“O que aconteceu nos últimos 30 dias vai passar para a história como o mês Lula. Porque foi o mês em que vocês trabalharam, sobretudo o Ministério Público, para trazer todo mundo para falar uma senha chamada Lula. O objetivo era dizer Lula. Se não dissesse Lula, não valia.”
2018
Lula se assumiu como candidato na eleição presidencial do próximo ano. Moro tentou abreviar ocasiões de falas “eleitorais” após a audiência, discursou para militantes em Curitiba
“Eu tava encerrando a minha carreira política. Mas agora, depois de tudo o que está acontecendo, estou dizendo em alto e bom som que vou querer ser candidato em 2018”