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Chanceler da Alemanha se reúne com Lula de olho em ampliar parceria e desenvolvimento sustentável

101888824-german-chancellor-olaf-scholz-gestures-during-a-joint-presser-with-argentine-president-599x400 Chanceler da Alemanha se reúne com Lula de olho em ampliar parceria e desenvolvimento sustentável

O chanceler Scholz visita Brasil, Argentina e Chile para ampliar presença alemã (Foto: Reprodução)

Desde agosto de 2015 um chanceler alemão não viaja a Brasília. Após os ex–presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro serem ignorados, Luiz Inácio Lula da Silva recebe nesta segunda-feira no Planalto Olaf Scholz, chefe de governo da quarta maior economia do mundo, com meio ambiente, apoio à democracia e o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) no topo da agenda. Para além das amabilidades, o desafio é fazer andar uma parceria que há muito parece promissora, sem jamais alcançar o pleno potencial.

Para o Brasil, o interesse é elementar. Após quatro anos de ostracismo, durante os quais não houve uma só recepção oficial para Bolsonaro em uma grande capital europeia, o governo deseja antes de tudo reativar a sua política externa e se aproximar de um país rico e poderoso, com potencial de maior cooperação em áreas como clima e tecnologia e interesses convergentes em temas difíceis como a reforma do Conselho de Segurança da ONU.

— Este encontro tem a missão primária de restabelecer as relações. O Brasil precisa ter uma política exterior, o país é grande demais para não ter uma orientação no plano internacional como vinha acontecendo — afirmou ao GLOBO Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da UFMG. — A Alemanha é o país mais rico da Europa, fundamental nas relações internacionais, e as relações certamente estão abaixo do seu potencial. O Brasil busca retomar o curso normal.

Para a Alemanha, a situação é mais complexa. Depois de obter enormes vantagens com a ordem internacional do pós-guerra, sobretudo após o fim da Guerra Fria, Berlim se vê em um mundo mais hostil, de rivalidade entre superpotências e uma guerra a 1.500 km a leste da sua fronteira. O Brasil surge como potencial aliado importante:

— As transformações do sistema internacional são muito preocupantes para a Alemanha. Um mundo mais multipolar é mais hostil. A Alemanha se preocupa com a tensão crescente entre EUA e China — afirmou Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV/SP. — O Brasil surge como um ator de destaque na própria região. Embora não se compare com grandes potências como EUA e China, pode ser um parceiro importante para garantir a resiliência do multilateralismo.

A vinda tão célere de Scholz — a primeira de um líder europeu, que deve ser seguida em breve pelo presidente da França— indica como o governo alemão quer demonstrar que valoriza a relação, numa tática que o telejornal alemão Tagesschau chamou de “ofensiva de charme”. Outra sinalização importante já aconteceu na posse de Lula, quando veio a Brasília o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, e a ministra do Meio Ambiente, Steff Lemke.

Para além dos interesses geopolíticos, uma afinidade ideológica liga desde os anos 1980 o Partido Social-Democrata (SPD), de Scholz, e o PT de Lula. Em 2018, o presidente recebeu uma visita do ex-líder do SPD Martin Schulz na prisão em Curitiba. Em novembro de 2021, Scholz, já eleito, se reuniu com Lula em Berlim, e disse estar “encantado com as boas discussões”. Apenas de 2003 a 2005, quando o chanceler era Gerhard Schröder, petistas e sociais-democratas alemães lideraram governos federais ao mesmo tempo

Influência diminuindo

Os desafios são muitos. A influência alemã e europeia na América do Sul e no Brasil vem diminuindo. Enquanto o país europeu tinha uma participação de 9,4% nas importações brasileiras em 2002, esse percentual caiu para apenas 5,1%, enquanto as da China subiram e alcançaram 22,4%.

Em análise recente, a Fundação de Ciência e Política (SWP), de Berlim, diz que “narrativas que postulam ‘valores comuns’, ‘parceria estratégica’ ou um ‘diálogo olhos nos olhos’” são “retóricas ilusórias” que “cada vez fazem menos justiça” aos fatos. “A base comum está desmoronando”, diz o texto, que aponta o crescimento da influência chinesa.

Em, 2015, quando Angela Merkel veio ao Brasil para se encontrar com a então presidente Dilma Rousseff, cujo governo já estava em crise, manifestou interesse em investir em projetos de infraestrutura e logística. O seu vice-ministro das Finanças deixou claro que isso não ia acontecer — como de fato não ocorreu — exceto se o Brasil apresentasse um “quadro mais interessante”, isto é, reformas estruturais que oferecessem maior segurança e diminuição do “risco Brasil”.

Um artigo publicado na semana passada no site da rede pública DW afirma que na América do Sul “a Alemanha é um pouco como o velho amigo de escola que bate à porta a cada poucos anos, brinda à amizade mútua e aos velhos tempos e depois desaparece rapidamente. Uma estratégia que está claramente a atingir os seus limites face à difícil conjuntura geopolítica mundial”.

Para resolver isso, o SWP propõe “não apenas retomar a cooperação, mas também remodelá-la”, por meio, por exemplo, de “desenvolvimento tecnológico conjunto” ou do “uso sustentável de recursos”. Scholz parece disposto a isso. Na Argentina e no Chile, onde o chanceler esteve no fim de semana, estiveram em pauta projetos de desenvolvimento envolvendo lítio e hidrogênio verde.

R$ 3,3 bilhões em recursos

No Brasil, o principal interesse está na preservação da Amazônia. O Itamaraty informou que Scholz vai oficializar hoje a liberação de € 31 milhões (R$ 172 milhões) para o Fundo Amazônia. Os recursos serão divididos em duas partes, com € 10 milhões (R$ 55 milhões) destinados a projetos de bioeconomia na região amazônica e outros € 21 milhões (R$ 116 milhões) para ações de combate ao desmatamento.

A Alemanha já se comprometeu em dezembro a aplicar rapidamente € 35 milhões (R$ 194 milhões) do fundo, que tem cerca de € 600 milhões (R$ 3,33 bilhões) em recursos disponíveis para novos projetos. O fundo está congelado desde 2019 quando o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mudou as regras da gestão dos recursos sem consultar Alemanha e Noruega, os seus doadores.

Dezenas de empresários viajam juntos a Scholz, e eles se reúnem separadamente com o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin. Também participa do encontro a ministra do desenvolvimento da Alemanha, Svenja Schulze, que está no Brasil desde sábado, e já se reuniu com o setor da indústria e do comércio.

Segundo Schulze, o foco da política de desenvolvimento alemã no Brasil deve ser em “bens globais: clima, florestas tropicais, biodiversidade. Especificamente, trata-se da proteção e uso sustentável de florestas tropicais, energias renováveis e eficiência energética, bem como desenvolvimento urbano sustentável”, afirmou em comunicado.

Na agenda entre Lula e Scholz — que inclui um encontro no Planalto à tarde, e um jantar no Itamaraty — também estará em pauta o acordo Mercosul-UE, assinado em 2019 mas jamais ratificado. Países europeus desde então atribuem à devastação na Amazônia durante o governo Bolsonaro como motivo para o acordo não andar. Na quarta-feira, Lula disse no Uruguai que considera a concretização do pacto uma pauta “urgente”.

O PT já sinalizou que deseja rever algumas cláusulas, por considerá-las pouco vantajosas para produtores e empresários brasileiros. Segundo Dawisson Belém Lopes, os setores que o PT deseja rever incluem agricultura, agropecuária, compras governamentais, propriedade intelectual e desenvolvimento sustentável.

Defesas enfáticas da preservação da democracia e dos direitos humanos no Brasil devem ser feitas por Scholz à imprensa. A guerra na Ucrânia pode vir a ser citada nas conversas, mas não deve ocupar espaço central na agenda. Há grande cooperação acadêmica entre os dois países, e anúncios neste sentido são aguardados.

No mais, a expectativa é de que este seja só um primeiro passo de uma parceria mais intensa. Scholz já veio ao Brasil em 2013, quando era prefeito de Hamburgo. Na ocasião, disse que “a América Latina apresenta um potencial incrível”. A aposta é que esse potencial enfim se concretize em algo mais sólido.

— A Alemanha quer cooperar. Quer fazer contribuição com tecnologia, na economia, no meio ambiente — disse Kai Michael Kenkel, professor de Relações Internacionais da PUC-Rio. — Na Alemanha, há um enorme alívio por uma volta à normalidade no Brasil. Na imprensa alemã se diz que “temos nosso parceiro de volta”. Estão muito felizes por ter no Brasil alguém com quem possam falar sensatamente.

O Globo

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