STF decide que juiz de garantias deve ser criado em até dois anos
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (23) que a implantação do juiz de garantias deverá ser feita em todos o país num prazo de um ano. O período pode ser prorrogado uma única vez, por mais um ano.
Todos os ministros já votaram no julgamento. A conclusão do caso, no entanto, será feita na quinta-feira (24), quando haverá a proclamação do resultado de todos os pontos decididos pela Corte.
O placar final pela criação obrigatória do juiz de garantias foi unânime, de 11 a 0. Só o relator, ministro Luiz Fux, havia votado pela inconstitucionalidade da obrigação, defendendo a adoção opcional do modelo. Como ficou vencido, acabou aderindo à maioria.
Pela fixação de prazo de até dois anos, votaram os ministros Dias Toffoli, Cristiano Zanin, André Mendonça, Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Rosa Weber.
Alexandre de Moraes e Nunes Marques, que haviam propostos outros prazos, aderiram à proposta vencedora. Fux também acabou aderindo à proposta de prazo.
A maioria de votos pela criação obrigatória do juiz de garantias havia sido formada na semana passada.
Na sessão desta quarta-feira (23), votaram os ministros Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ainda falta o voto da ministra Rosa Weber, presidente da Corte. Foi a décima sessão do Supremo a tratar do assunto.
No fim da sessão, o ministro Dias Toffoli propôs uma regra de transição. Pela proposta, que teve concordância dos colegas, as ações penais que já estiverem em tramitação no momento da implantação do juiz de garantias não serão afetadas e não precisarão se adequar ao novo modelo.
O juiz de garantias é um magistrado que atuaria só na fase de investigação do processo e seria responsável por fiscalizar a legalidade da apuração criminal, autorizando medidas como prisões, quebras de sigilo e mandados de busca e apreensão. Tem a função de garantir os direitos individuais dos investigados.
A criação do juiz de garantias foi aprovada pelo Congresso no chamado “pacote anticrime” e sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em dezembro de 2019. A aplicação foi suspensa em janeiro de 2020 por decisão do ministro Luiz Fux, então vice-presidente do STF.
Pontos
Os ministros também concordaram com os pontos a seguir, todos estabelecidos pelo pacote anticrime:
A atuação do juiz de garantias termina com o oferecimento da denúncia, sem que haja análise sobre seu recebimento ou rejeição. Essa posição diverge da lei aprovada pelo Congresso, que estabelecia que o novo magistrado teria competência para receber ou rejeitar a denúncia.
O ministro Edson Fachin foi o único a ficar vencido neste ponto, propondo que fosse validada a proposição original da lei.
Por unanimidade, os ministros também consideraram inconstitucional a previsão de um rodízio de juízes em casos de comarcas com apenas um magistrado, para a implementação do juiz de garantias.
Também por unanimidade, a Corte entendeu que o juiz de garantias deve atuar em casos criminais da competência da Justiça Eleitoral. O juiz das garantias não atuará em processos de competência originária de tribunais, no Tribunal do Júri (o júri popular) e nos casos de violência doméstica e familiar.
Outro trecho que teve o aval dos ministros é o que estabelece que todos os procedimentos investigativos criminais do Ministério Público devem ser submetidos ao controle do Poder Judiciário, e de que as apurações em andamento devem ser enviadas aos respectivos juízes, em um prazo de 90 dias.
A Corte entendeu que é constitucional a previsão de que, ao promover o arquivamento de um inquérito, o integrante do Ministério Público deve remeter sua decisão para homologação pela instância de revisão dentro do órgão.
Vítimas que discordem desse arquivamento podem recorrer em até 30 dias. Nesses casos, cabe a avaliação do recurso ao órgão superior dentro do MP, seja o procurador-geral de justiça ou a câmara criminal.
Moraes apresentou proposta parcialmente divergente, para que, nos casos em que não há vítima definida, como crimes contra administração pública e contra a democracia, a revisão do arquivamento seja automática e obrigatória.
Sessão
Na sessão desta quinta-feira (23) falaram os últimos quatro ministros que ainda não haviam apresentados seus votos no caso.
Roberto Barroso considerou a criação do juiz de garantias uma “decisão legítima” do Legislativo. “De modo que, não havendo incompatibilidade com a Constituição, nosso papel é acatar a vontade do legislador e, portanto, acho que nossas preocupações se transferem em como implementar essa medida”, afirmou.
Cármen Lúcia também disse que a figura é uma “escolha do Poder Legislativo”.
Gilmar Mendes afirmou que a criação do instrumento constitui uma das “manifestações da classe política em defesa da democracia brasileira”. Para o magistrado, o juiz de garantias assegura mecanismos indutores de imparcialidade do magistrado criminal, “favorecendo a paridade de armas, a presunção de inocência, o controle da legalidade de atos investigativos invasivos”, além de contribuir para maior integridade do sistema de Justiça.
Em seu voto, o ministro teceu diversas críticas aos atos da Lava Jato e à atuação do então juiz da operação e hoje senador, Sergio Moro (União Brasil-PR), e ao então procurador e ex-deputado federal, Deltan Dallagnol (Podemos).
“[O juiz de garantias] também colabora para inibir abusos e atentados contra direitos fundamentais e inviolabilidade pessoal, como ocorreu durante a operação Lava Jato a partir de um mesmo juiz que, hoje se sabe, orientou o Ministério Público nas fases preliminares da investigação, decretou prisões preventivas alongadas, deferiu medidas cautelares abusivas e, apesar de estar totalmente comprometido com órgão acusador, assumiu a reponsabilidade pelo julgamento das ações penais subsequentes”, afirmou. “De alguma forma, o juiz de garantias é também uma resposta a todos esses abusos”.
Moro sempre foi contra a figura do juiz de garantias, mas a medida foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, em um aceno ao Centrão, contrariando a opinião do então ministro da Justiça.
A CNN procurou Moro para comentar sobre as críticas, mas o senador disse que não vai se pronunciar.