Parlamento de Israel aprova novo governo, e Netanyahu é afastado do poder após 12 anos
Após 12 anos, Benjamin Netanyahu não é mais primeiro-ministro de Israel. A Knesset, o Parlamento do país, aprovou neste domingo, por 60 votos a 59, uma improvável coalizão que une as principais forças de oposição israelenses, juntando oito partidos que vão da sigla centrista Yesh Atid (Há um Futuro) à extrema direita do Yamina, passando por legendas de esquerda. É também a primeira vez que um partido que representa os árabes-israelenses, a Lista Árabe Unida, compõe o Gabinete.
Os desafios à frente do novo governo são hercúleos e, diante de sua heterogeneidade sem precedentes, não está claro como abordará o legado deixado pelo agora ex-premier, mandatário mais longevo da História israelense, ou nem sequer como irá negociar internamente. As divergências começaram já na votação do governo: houve uma abstenção, do deputado Said al-Harumi, da Lista Árabe Unida, crítico da aliança.
O grupo não tem muito em comum além da oposição a Netanyahu, que é acusado de tentar usar o poder para se livrar de processos judiciais em que acusado de corrupção. A herança do agora ex-premier, que já havia comandado Israel entre 1996 e 1999, vai do fortalecimento dos setores ultranacionalistas ao estancamento das negociações com os palestinos — motivos de tensão que de tempos em tempos resulta em conflitos no país e nos territórios palestinos ocupados, o mais recente deles em maio, com o confronto entre Israel e o grupo islamista Hamas, que governa a Faixa de Gaza.
Em seu discurso à Knesset, o novo premier Naftali Bennett, líder do Yamina e ex-ministro da Defesa, afirmou que o recém-empossado e autonomeado “governo da mudança” representará “todos os israelenses”. Em sua fala, frequentemente interrompida por gritos de parlamentares ultraconservadores pró-Netanyahu, ressaltou que é hora de uma “mudança de regime” e que o país conseguiu “parar o trem antes do abismo”:
— Tenho orgulho da habilidade de sentar em conjunto com pessoas que têm visões muito diferentes da minha — disse, agradecendo a seu antecessor e ex-aliado pelo “serviço longo e cheio de conquistas” à frente de Israel. — Chegou a hora de líderes diferentes, de todas as partes da população, darem um fim nessa loucura.
Pelo acordo firmado no último dia 11, Bennett será primeiro-ministro por um período de dois anos. Se a coalizão sobreviver até 2023 — o grupo tem uma estreita maioria de 61 assentos, apenas um a mais que o necessário —, ele será substituído por Yair Lapid, líder do Yesh Atid e negociador central da aliança, em um sistema de rodízio. Até lá, Lapid será chanceler.
O Parlamento de Israel aprovou o novo governo, formado por uma coalizão que reúne as principais forças de oposição do país, que encerrou os 12 anos consecutivos do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu no cargo. O novo premier Naftali Bennett, líder do Yamina e ex-ministro da Defesa, afirmou que o recém-empossado e autonomeado
O Parlamento de Israel aprovou o novo governo, formado por uma coalizão que reúne as principais forças de oposição do país, que encerrou os 12 anos consecutivos do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu no cargo. O novo premier Naftali Bennett, líder do Yamina e ex-ministro da Defesa, afirmou que o recém-empossado e autonomeado “governo da mudança” representará “todos os israelenses”
Netanyahu promete retorno
Ao se referir ao “fim da loucura”, Bennett falava da onda de violência intercomunitária entre árabes-israelenses e judeus ultraconservadores, que coincidiu com a crise em Gaza, e ao nó político que finalmente é desatado no país após quatro eleições inconclusivas em três anos, diante das tentativas de Netanyahu de permanecer no poder. Agora ex-premier, ele não dá sinais de que irá desaparecer, após passar os últimos dias tentando minar o novo governo e incendiando a base ultranacionalista:
— Se o nosso destino é estar na oposição, faremos isso de cabeça erguida, derrubaremos este governo ruim e voltaremos a liderar o país de nossa maneira — disse Netanyahu em seu discurso derradeiro ao Parlamento, que ultrapassou a marca de meia-hora, o dobro do tempo permitido. — Eu vou lutar diariamente contra este governo de esquerda terrível e perigoso — afirmou.
Em sua fala, Netanyahu chamou Bennett de “falsa direita” e de traidor, por ter se juntado com siglas da esquerda, de centro e árabes-israelenses. Logo após a votação do novo governo, foi anunciado que o governo que está de saída não realizará uma cerimônia formal para marcar a transição de poder, mas haverá uma reunião de passagem na segunda-feira.
O plano do agora líder da oposição é desestabilizar a aliança mirando novas eleições que o catapultem de volta ao poder, mas seus problemas judiciais ameaçam ser grandes obstáculos: se condenado, poderá passar mais de uma década atrás das grades. Esquivando-se das acusações, disse que o novo governo vai implementar leis “fascistas e antidemocráticas” para prejudicá-lo, “assim como ditaduras fazem com candidatos que ameaçam o regime”.
Após as eleições de março, Netanyahu, no cargo desde 2009, foi o primeiro a receber do presidente Reuven Rivlin a tarefa de formar um governo. Ele tinha a seu lado siglas religiosas e de extrema direita, mas, para chegar à maioria de 61 cadeiras, precisaria do apoio do Yamina de Bennett.
Sem Bennett, o então premier fracassou em formar um novo Gabinete e a tarefa passou para Lapid, que trazia consigo uma potencial aliança formada por siglas de centro e esquerda, além da Lista Árabe Unida. O partido de orientação islamista foi formado neste ano por Mansour Abbas como uma dissidência da Lista Unida, legenda que tradicionalmente reunia todas as forças árabes-israelenses.
Após semanas de conversa, o Yamina decidiu apoiar a coalizão, e um acordo foi anunciado a cerca de 40 minutos do prazo final dado por Rivlin. Uma das condições de Bennett para se unir ao governo foi o comando da coalizão durante a primeira metade do mandato.
O novo premier
Filho de imigrantes americanos, o novo primeiro-ministro é ex-líder do Yesha, o principal movimento de colonos israelenses na Cisjordânia — os assentamentos e a anexação dos territórios ocupados na Guerra dos Seis Dias, em 1967, estão entre os principais itens de sua agenda —, e opositor da criação de um Estado Palestino. Ex-comandante das Forças de Defesa Israelense, ele se tornou multimilionário ao comprar, desenvolver e vender start-up tecnológicas.
Em uma coalizão tão heterogênea, no entanto, a expectativa é que ele tenha dificuldade para pôr em prática seus planos mais controversos. E os desafios imediatos já irão pô-lo à prova: apenas nos próximos dias, precisará decidir sobre retirar colonos de assentamentos em Evyatar considerados ilegais pela própria lei israelense e sobre uma marcha de judeus ultranacionalistas remarcada para quarta-feira em Jerusalém, após ser suspensa diante do risco de novos confrontos com os palestinos da cidade e de uma reação armada do Hamas.
Nas próximas semanas, a decisão judicial sobre o despejo de quatro famílias palestinas de Sheikh Jarrah, bairro de maioria árabe em Jerusalém Oriental, também deve causar dores de cabeça para o novo governo — o tema acentuou a tensão no país e foi um dos fatores por trás da última escalada com o Hamas. Mais em longo prazo, as desavenças com o Irã, a investigação de crimes de guerra nos territórios ocupados comandada pelo Tribunal Penal Internacional e a recuperação econômica pós-pandemia também devem ser desafios.
— A renovação do acordo nuclear com o Irã é um erro que legitimaria um dos regimes mais violentos e obscuros do planeta — disse Bennett, referindo-se ao pacto abandonado pelos EUA em 2018, durante o governo de Donald Trump, cuja retomada Washington e Teerã negociam desde a mudança de comando no Salão Oval.
Pouco antes, Netanyahu havia acusado Bennett de ser incapaz de conter a “ameaça existencial” representada por Teerã e que não será capaz de dizer não para Biden. A expectativa, contudo, é que o novo governo seja bem-vindo por aliados, que não viam com bons olhos a aproximação do agora ex-premier e forças ultraconservadoras. O presidente americano, que deverá receber Bennett em Washington já no mês que vem, parabenizou o recém-empossado premier minutos após a posse:
“Israel não tem um amigo melhor que os EUA”, disse o presidente americano em um comunicado. “O elo que une nossos povos é evidenciado nos nossos valores compartilhados e décadas de cooperação próxima. Enquanto continuamos a fortalecer nossa parceria, os EUA continuam inabaláveis em seu apoio à segurança de Israel”, completou, dizendo estar comprometido a trabalhar em conjunto para a paz de “isralenses, palestinos e povos por toda a região”.
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Na Justiça
Apesar de Netanyahu ainda ter uma base de apoiadores sólida e de ter liderado uma das campanhas de vacinação contra a Covid-19 mais rápidas do mundo, sua saída é um evidente declínio do poder que um dia já teve. Os três processos que enfrenta, por fraude, são peças-chave do seu desgaste.
O primeiro deles é o chamado Caso 4.000. Segundo os promotores, Netanyahu teria concedido favores regulatórios equivalentes a 1,8 bilhão de shekels (cerca de US$ 500 milhões) à empresa de telecomunicações Bezeq Telecom Israel em troca de cobertura positiva no site de notícias do grupo, o Walla. O ex-presidente da Bezeq, Shaul Elovitch, e sua mulher, Iris, são acusados de suborno e obstrução de Justiça, mas negam qualquer responsabilidade.
Já no Caso 1.000, Netanyahu é acusado de ter recebido charutos, champanhe e jóias no valor de 700 mil shekels (US$ 197 mil) de Arnon Milchan, um produtor de Hollywood e cidadão isralense, e do bilionário australiano James Packer. Em troca, o então premier pressionou o Ministério da Fazenda a dobrar a duração de uma isenção fiscal para israelenses que viviam no exterior, como Milchan, em seu retorno ao país.
No Caso 2.000, por sua vez, o então premier é acusado de ter discutido um pacto de benefício mútuo com Arnon Mozes, dono do Yedioth Ahronot, um dos principais jornais israelenses. Em troca de cobertura favorável, Netanyahu teria concordado em considerar a implementação de medidas que limitassem o crescimento do Israel Hayom, um jornal concorrente. A promessa, contudo, nunca foi posta em prática.
O Globo