Como hackers, Schwarzenegger e EUA tentam furar a cortina de ferro digital de Putin
A campanha de informação sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia está em pleno andamento com um vasto elenco de personagens – incluindo o Departamento de Estado dos Estados Unidos, hackers ucranianos e Arnold Schwarzenegger. A intenção é tentar contornar os censores russos para levar a verdade sobre a guerra aos cidadãos russos.
Os esforços remetem às transmissões de rádio da era da Guerra Fria para a União Soviética, mas os aplicativos de mensagens e outras ferramentas digitais gratuitas significam que uma série de pessoas de fora, de ativistas digitais a Arnold Schwarzenegger, o ícone de Hollywood que publicou um vídeo para os russos na quinta-feira (17), podem se juntar mais facilmente à campanha.
O Departamento de Estado criou uma conta no Telegram, um aplicativo de mensagens popular com os russos, quatro dias após a guerra na Ucrânia, uma vez que ficou claro que Washington estava perdendo uma oportunidade para interagir com os russos, como explicou um alto funcionário do departamento à CNN.
Uma série de posts em russo na conta ampliou as denúncias do presidente Joe Biden sobre a guerra e advertiu os russos sobre a máquina de propaganda de Moscou.
“Muito antes de o Kremlin lançar sua invasão em larga escala da Ucrânia, ele havia intensificado sua campanha de desinformação e censura de meios de comunicação independentes e continua fazendo isso mesmo durante a guerra de agressão”, disse o departamento de seu relato de Telegram na quinta-feira.
O engajamento russo com a conta do Departamento de Estado no Telegram até agora parece ser muito modesto – a conta tinha 1,911 inscritos até sexta-feira (18) à tarde, no horário de Moscou, e a população total do país é de cerca de 142 milhões.
Os analistas dizem que é improvável que qualquer única plataforma ou campanha de mensagens vá chegar ao público russo de uma maneira significativa. Mas o objetivo de uma série de indivíduos e organizações que tentam perfurar a cortina de ferro digital é eliminar, cumulativamente, o apoio público russo à guerra e ao moral dos soldados russos.
O Departamento de Estado também tem uma conta na plataforma de mensagens russa VK, e criou um website para parar a desinformação russa nas últimas semanas, trabalhando para colocar as autoridades dos EUA em plataformas de transmissão em língua russa, segundo a fonte.
“Nada disso é uma bala de prata”, disse o funcionário do Departamento de Estado usando a expressão para descrever uma solução definitiva, reconhecendo o formidável muro de censura na Rússia, que bloqueou o acesso do Twitter e Facebook.
Alguns críticos sugeriram que o governo dos EUA precisa fazer mais e procurar imitar o enorme esforço de propaganda da Guerra Fria, quando recursos significativos foram dedicados a enviar mensagens para a população soviética.
As autoridades russas têm detido milhares de pessoas que protestam contra a guerra na Ucrânia. Uma jornalista da TV estatal russa que interrompeu uma transmissão de notícias ao vivo na segunda-feira (14) com um cartaz que dizia que “NÃO À GUERRA” foi detida e multada em cerca de 270 dólares e ainda pode cumprir pena na prisão.
“Este é um verdadeiro calcanhar de Aquiles para Putin”, disse à CNN James Clapper, que serviu como diretor de inteligência nacional no governo de Barack Obama. Segundo ele, o governo dos EUA deveria usar qualquer plataforma de redes sociais disponível para trazer imagens de soldados russos mortos e prisioneiros de guerra aos cidadãos russos.
Vários prisioneiros de guerra russos apareceram em coletivas de imprensa organizadas pelas autoridades ucranianas. Pode ser uma prática questionável sob a Convenção de Genebra, que proíbe os estados de causarem humilhações desnecessárias aos prisioneiros de guerra.
“São coisas que se prestam a ações secretas do governo dos EUA”, disse Clapper. “E eu confio e espero que estejamos fazendo algo nesse sentido”.
A comunidade dos serviços de informação dos EUA está observando atentamente a opinião pública na Rússia, mas não se sabe se existe algum planejamento em curso para conduzir qualquer forma de operações de informação clandestinas.
“Estamos observando o que está acontecendo na Rússia”, afirmou uma fonte ocidental familiarizada com os serviços de inteligência, que acrescentou que ainda não está claro se a opinião pública está a favor ou contra a guerra.
Há formas menos sombrias de apoiar o livre fluxo de informação para a Rússia. Alina Polyakova, presidente da ONG Center for European Policy Analysis, disse que a conta no Telegram do Departamento de Estado é “um passo na direção certa, mas francamente não é criativo o suficiente”.
Atualmente, os russos não parecem confiar nos meios de comunicação social ocidentais ou nas autoridades governamentais como fontes de informação da forma como fizeram nos últimos dias da Guerra Fria, disse Polyakova, que cresceu em Kiev na década de 1980.
“Precisamos ser muito mais criativos em pensar quem são os mensageiros certos”, acrescentou, lembrando dos vários jornalistas que fugiram da Rússia nas últimas semanas após criminalização de reportagens independentes sobre a guerra na Ucrânia.
Os governos ocidentais e as organizações filantrópicas têm agora uma “enorme oportunidade” para apoiar estes jornalistas, já que provavelmente eles continuarão a reportar do exterior, e a estabelecer ligação com audiências russas que confiam neles, disse Polyakova.
Notícias verdadeiras
Enquanto o Departamento de Estado envia mensagens cuidadosamente redigidas para os cidadãos russos, um grupo de hackers voluntários da Ucrânia e de outros países tem sido mais confrontador.
O chamado exército ucraniano de TI, que Kiev tem encorajado ativamente, procurou hackear sites de notícias russos e publicar informações sobre baixas russas na Ucrânia, de acordo com Yegor Aushev, um executivo ucraniano de cibersegurança que disse que ajudou a organizar o coletivo de pirataria em nome do
Ministério da Defesa da Ucrânia.
Cidadãos russos “não sabem muito sobre o que está acontecendo”, disse Aushev por telefone da Ucrânia. “Foi por isso que decidimos que um dos objetivos mais importantes deveria ser a comunicação social. Devemos trazer-lhes notícias reais”.
Mas atingir um público russo não requer invadir um computador. Os americanos estão entre os muitos que enviaram mensagens de texto para os russos usando um site construído por um grupo internacional de programadores voluntários conhecido como Squad303.
Stacey McCue, uma enfermeira da Flórida, enviou cerca de 100 mensagens de texto e centenas de emails para russos usando a plataforma. Ela começou a personalizar as mensagens com a sua própria voz, dizendo que Moscou tem mentido aos seus cidadãos e que a guerra matou civis.
Até agora, McCue obteve apenas três respostas: “Vá se f…”, “A Crimeia é nossa” e uma resposta ameaçando “encaminhar sua mensagem às autoridades apropriadas! Pare de fazer tais chamadas!”
As respostas hostis não dissuadiram McCue. “Acho que é melhor ser proativo, ter uma posição, mesmo que seja uma coisa pequena para tentar influenciar a situação geral”, opinou.
Mais americanos conhecidos estão se juntando à causa. Schwarzenegger, a estrela de “O Exterminador do Futuro” e ex-governador da Califórnia, dirigiu-se ao “povo russo” em um vídeo com legendas em russo que ele postou quinta-feira para seus 5 milhões de seguidores no Twitter e mais de 19 mil assinantes no Telegram.
“Espero que vocês me deixem dizer a verdade sobre a guerra na Ucrânia e o que está acontecendo lá”, disse Schwarzenegger antes de detalhar o bombardeio russo de uma maternidade ucraniana.
Uma fonte próxima de Schwarzenegger disse à CNN que o astro fez o vídeo por sua própria iniciativa e nada lhe foi pedido pelo governo dos EUA.
Mas a conta no Telegram do Departamento de Estado não perdeu tempo e compartilhou o vídeo, e outros no ecossistema da informação seguiram o exemplo.
Blake Ferrell, um encanador de Indiana, disse à CNN que enviou o vídeo de Schwarzenegger para vários russos no Telegram, além de imagens do discurso do ator para outros russos através da plataforma de texto Squadr303.
Ferrell ainda não recebeu nenhuma resposta, mas quer continuar tentando alcançar os russos. “Para mim, é a emoção de realmente chegar a outra pessoa”,
contou.
(*Katie Bo Lillis e Dana Bash da CNN contribuíram na reportagem)