STF concede prisão domiciliar a mulheres grávidas e mães presas
Por quatro votos um, a 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) concedeu nesta terça-feira (20) um habeas corpus coletivo em favor de mulheres grávidas ou mães de crianças de até 12 anos que estejam cumprindo prisão preventiva, ou seja, à espera de julgamento. A decisão substitui a prisão preventiva pela domiciliar enquanto durar essa condição.
Não terão direito ao benefício as presas que tenham cometido crimes com violência ou grave ameaça, ou contra familiares, além de casos considerados “excepcionalíssimos”. Estas decisões deverão ser devidamente fundamentadas por cada juiz.
Os ministros determinaram que os tribunais estaduais e federais cumpram a decisão em até 60 dias. O habeas corpus se estende ainda a mães adolescentes em medida socioeducativa e a mães que tenham sob sua guarda pessoas deficientes, independentemente da idade.
De acordo com o mais recente levantamento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), 622 mulheres presas em todo o país estavam grávidas ou amamentando até o último dia de 2017.
Esse número consta do recém-criado Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes, idealizado pela ministra Cármen Lúcia, presidente do Conselho e do Supremo. A quantidade exata de detentas afetadas pela decisão, no entanto, ainda não é conhecida publicamente.
Apresentada por um grupo de advogados militantes na área de direitos humanos com o apoio do DPU (Defensoria Pública da União), a ação chegou ao STF em maio do ano passado e foi relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello acompanharam o voto do relator. Já Edson Fachin disse entender que não havia como se deferir a ordem tal como referido no habeas corpus. Ele defendeu a necessidade de uma análise concreta e individualizada dos interesses das crianças, “sem revogação automática das prisões já decretadas”.
Em seu voto, Lewandowski disse entender que “este remédio, na forma como foi apresentado, é efetivamente cabível” e conclamou os colegas a “exercer um pouco de coragem”.
“Temos mais de 2.000 pequenos brasileirinhos que estão atrás das grades com suas mães, sofrendo indevidamente, contra o que dispõe a Constituição, as agruras do cárcere”, declarou o ministro, depois de dizer que não entraria em detalhes sobre o número de possíveis afetadas pelo habeas corpus para não correr o risco de errar.
Ele fez questão de destacar, no entanto, que não se trata de um “salvo conduto ad eternum” (ao infinito). “E também não é algo que se faz de forma indiscriminada e abstrata”, disse.
O ministro relatou que o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) apresentou uma lista contendo as mulheres na situação em julgamento no país e defendeu que o habeas corpus tem alvos “perfeitamente identificáveis”.
O poder público teima de forma irresponsável em insultar a dignidade das presas provisórias e de seus filhos
Ministro Celso de Mello
O ministro Gilmar Mendes criticou o que chamou de “bolha” do Judiciário representada pelos casos em que juízes negavam o benefício a mulheres nessas condições.
“Assim, vamos nos distanciando da realidade”, comentou Mendes, citando o caso de Jéssica Monteiro, 24, cujo filho recém-nascido foi mantido “em uma cela imunda” de uma delegacia de São Paulo, esse mês.
Em questão preliminar, Lewandowski admitiu o cabimento legal do habeas corpus coletivo, dispositivo questionado por conta do princípio constitucional da individualização da pena. O entendimento do ministro foi acompanhado pelos outros quatro membros da 2ª Turma.
“Nós não podemos negar a necessidade do HC coletivo. Até porque quando se fala em mandado de busca e apreensão coletivo nos dias de hoje, essa Suprema Corte recusar o conhecimento do HC coletiva seria um momento não muito feliz da Corte”, comentou Dias Toffoli, em referência ao debate sobre a intervenção federal no Rio de Janeiro.
Os argumentos no Supremo
As partes pediram que fosse aplicada às mulheres presas temporariamente no país a regra prevista no Artigo 318, do CPP (Código de Processo Penal), que prevê a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para gestantes, lactantes ou mulheres com filhos de até 12 anos incompletos.
A Defensoria Pública argumentou que o ambiente carcerário impede a proteção à criança que fica com a mãe no presídio. “Não se está querendo cuidar da mãe em face da criança, mas sim da criança”, declarou o defensor público-geral federal, Carlos Eduardo Paz, no início do julgamento.
“A prisão preventiva de gestantes é cruel, degradante e desumana”, afirmou a advogada Nathalie Fragoso, do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, fazendo “um apelo de liberdade” em nome das mulheres aos ministros da 2ª Turma.
Em manifestação enviada ao STF em agosto do ano passado, a Defensoria apontou que o ambiente insalubre dos presídios brasileiros, em sua grande maioria, é prejudicial mesmo ao ser humano mais saudável, e em especial para as gestantes.
Apesar de prevista no CPP, a concessão dos benefícios às gestantes não é considerada automática pela Justiça e depende da análise individual do caso de cada detenta.
FOLHA