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Repórter conta como é o cruzeiro com todo mundo nu pelo Caribe

15513013785c76fb023330f_1551301378_5x2_rt-520x208 Repórter conta como é o cruzeiro com todo mundo nu pelo Caribe

Ser jornalista é um exercício eterno de empatia. Conectar-se ao outro, convencê-lo de que sim, pode confiar a você seus mais profundos medos e anseios…

Relaxa, “estamos todos pelados aqui”, a repórter da Folha, a mais tensa e coberta do recinto, é acalmada por um casal de Nova York. Ele, um senhor de feições à Papai Noel, ela com adesivo (dos que brilham no escuro) no mamilo direito. Os dois sexagenários. E nus.

Se tem uma coisa que os 2.618 passageiros do Big Nude Boat (Grande Barco Pelado) não têm muito problema em fazer é se abrir, nem no papo existencialista de “qual é o sentido da vida?”, nem na aula de alongamento sem roupas com o professor Aristotle (Aristóteles, no bom português), um tipo atlético que, juram seus pupilos, é de agradar a gregos e troianos.

Ok, o que você precisa saber antes de encarar um cruzeiro nudista?

Primeiro, que fazer a mala nunca foi uma tarefa tão literalmente leve. Afinal, na maior parte do tempo, o viajante estará totalmente desnudo, se assim o desejar. Fica pelado quem quer –e, depois de pagar de US$ 1.299 (R$ 4.885) a US$ 8.999 (R$ 33.832) por cabine, a maioria quer.

Segundo, que a quantidade de trocadilhos a bordo é inversamente proporcional à de peças de roupa.
“That’s not too hard” (isso não é muito duro) e “grow some balls” (tenha culhões) são algumas das tiradas sobre genitálias à mostra entreouvidas nesta cruzada oceânica de nove dias em que a praxe é se despir de preconceitos e tecidos. E também de expectativas, se por acaso um passageiro mais saidinho espera encontrar uma sucursal al mare de produtora pornô.

Não que não existam cruzeiros, por assim dizer, mais calientes. Esse, contudo, não é um deles. Claro que a paquera é liberada –há inclusive festinhas específicas para hóspedes solteiros e LGBTQ.

Mas não é o fim em si, e sim uma das muitas possibilidades de diversão num navio onde, segundo os viajantes, o nudismo é acima de tudo uma “raison d’être”.

O cruzeiro nudista no navio Carnival Sunshine
15512271035c75d8dfaa568_1551227103_3x2_md Repórter conta como é o cruzeiro com todo mundo nu pelo Caribe

A empresa se chama Carnival, o mesmo nome de seus navios, sempre batizados com um adendo: Triumph, Radiance, Miracle. Foi no Carnival Sunshine que a trupe naturista saiu de Porto Canaveral (a 90 km de Orlando) em 25 de janeiro e, após quatro paradas (HondurasBahamasJamaica e México), voltou no dia 3 de fevereiro ao ponto de partida.

Peitos à vista: o primeiro par deles foi observado às 16h58 do dia 1. A dona, uma jovem loira com uma mandala tatuada no cóccix, ainda com a parte debaixo do biquíni, conversava com um senhor de bengala (sem trocadilho por ora). Não demorou muito para que a embarcação de 14 andares fosse tomada por um vaivém naturista.

Pelados na fila do self-service. Malhando os glúteos. No caça-níqueis do cassino. Na coreografia com dezenas deles no convés. Na máquina de cerveja “sirva-se você mesmo” ao lado do estande com pizza 24 horas. Assistindo ao “Mágico de Oz” no telão sobre a piscina.

Muitos ali são veteranos de cruzeiros e também de vida. A terceira idade domina, o que impressionou o paulista Jefferson, 32, tanto ele quanto a esposa calouros em cruzeiros nudistas. “Nunca vi tanto idoso pelado.” Ah, sim: Jefferson não quer dar o sobrenome. Foto, então, nem pensar.

Os americanos Daaz, 34, e Stephanie, 35, entendem. Ele, por exemplo, diz que no país de seus pais, a Índia, uma aventura dessa natureza jamais seria bem vista. A mãe jamais perdoaria. O que acontece no oceano Atlântico fica no oceano Atlântico, portanto.

Marci Graham, 65, não vê problema em se mostrar como veio ao mundo. Ela faz parte do HAI (Human Awareness Institute, ou Instituto da Consciência Humana) e deu aula de autoajuda no navio.

Um dos exercícios propostos inclui parear com quem estiver à sua frente, beijar a mão dessa pessoa e declamar: “Estou honrado de estar aqui com você”. Os instrutores, enquanto isso, encorajam o público com frases como “uau, os seres humanos são incríveis!”.

O que importa, ela diz à Folha, seios de fora e uma canga enrolada na cintura, “é fazer as pessoas se sentirem amadas e capazes de amar”.

Há outros espaços no navio para as energias fluírem, como o Library Bar (Bar da Biblioteca), e o deque da piscina, embalado por refrões como “play that funky music, white boy” e gincanas. Numa delas, participantes disputam o título de melhor drinque, improvisando com rum e tequila e os batizando com nomes do naipe “Sex With a Blind Guy” (sexo com um cara cego).

As paradas em ilhas paradisíacas viram coadjuvantes num cruzeiro pleno de distrações, de palestra sobre acupuntura a festa do chá em que as pessoas se vestem como personagens de “Alice no País das Maravilhas”, ou melhor, só com os adereços (itens do Chapeleiro Louco, a plaquinha de “coma-me”).

Um dos números traz o apresentador Felipe Couto, um carioca, testando casais –um deles há 58 anos juntos– para ver se eles conhecem mesmo um ao outro. Uma das perguntas: se pudessem escolher um feriado para simbolizar a noite passada de vocês na cama, seria: a) Independência Americana (“fogos de artifício”), Halloween (“doces ou travessuras”) ou Dia de Ação de Graças (“peru frio”)?

São os mais velhos os mais à vontade com a nudez, até porque, como explica Dee Voigili, 73, “tenho 29 anos na mente” e, a essa altura, zero tempo a perder com inseguranças ligadas à aparência do corpo. Ela fez três trancinhas (US$ 4, ou R$ 15 cada uma) no cabelo numa das ilhas caribenhas.

Já Margaret, 67, só ficou confortável nua no terceiro dia. Mas ela nunca antes havia pisado numa praia naturista, o que dizer de um cruzeiro.

Sua caçula, que morreu de câncer aos 28, essa sim, era fã “dessas coisas”. Margaret diz que a experiência a ajuda a se sentir próxima da filha. “Acho que ela está me olhando lá de cima como quem diz, ‘ai, mãe, você não vai aparecer assim na frente dos meus amigos, vai?'”.

Margaret usava um tutu transparente de bailarina e só.

repórter não estava muito mais coberta, e Margaret riu antes de indagar: “Se você é jornalista, onde guarda o bloquinho de notas?”.

Conhela as praias de nudismo do Brasil
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LISTA DE PROIBIÇÕES A BORDO MOSTRA QUE NAVIO NATURISTA NÃO É BAGUNÇA

Há uma série de regras para garantir a boa convivência e ajudar o passageiro a manter a sua ficha criminal intacta.

Ficar nu, por exemplo, pode sempre no Big Nude Boat —desde que você esteja em águas internacionais.

Se o navio estiver ancorado, todos precisam estar ao menos em trajes de banho, sobretudo nas áreas externas, de onde podem ser vistos por alguém em terra. Ou correm o risco de cometer atentado ao pudor.

Os viajantes, que precisam ter de 21 anos adiante, recebem por e-mail normas “de senso comum” para que “todos desfrutem de uma experiência maravilhosa sem estresse e roupas”.

A nudez é livre na área de self-service, mas não em outros restaurantes mais chiques, geralmente pagos à parte (fora do valor do pacote). “Se estiver em dúvida sobre a indumentária apropriada, apenas assegure que seios, bumbuns e genitálias estão totalmente cobertos por algo que não seja considerado traje fetichista ou lingerie.”

Aliás, zanzar só de roupa íntima sensual é proibido em qualquer circunstância. Se por ventura algum homem tiver uma ereção, deve se cobrir e retornar à cabine até os ânimos baixarem. No cruzeiro em que a Folha viajou, a repórter não presenciou nenhum acidente.

Praias naturistas pelo mundo
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Desassociar o cruzeiro de uma ideia sexualizada parece ser mesmo o objetivo: até o Wi-Fi disponível a bordo (mediante pagamento) bloqueia o acesso a sites pornôs, como explicado no contrato.

Regra de higiene número 1: ao se sentar onde quer que seja, cubra sempre o lugar com uma toalha. O nudista precisa, por exemplo, revestir as cadeiras na piscina com elas, que ficam presas com grampos e dobradas na forma de bichos, como elefante e siri.

Ninguém da equipe do navio fica nu, jamais, o que virou motivo de piada para um dos comediantes escalados num dos números diários de stand-up comedy (“acho que exagerei na roupa”).

No começo pode ser estranho interagir com os funcionários sempre vestidos —e agindo como se fosse algo que se vê todo dia aquela senhora despida na cadeira de rodas pedindo a segunda tequila.

Mas eles são impecáveis na discrição e na cordialidade. Os camareiros, aliás, todo dia deixam para os passageiros toalhas novas esculpidas.

Na viagem pelo Caribe, eles também enfeitaram com balões e post-its a porta de um passageiro aniversariante, o Frank. Um bilhete estimulava que outros hóspedes deixassem mensagens de “happy birthday”.

Alguém escreveu “happy butt-day”, trocadilho que, em português, valeria a tradução “feliz dia da bunda”.

AS QUATRO PARADAS DO CARNIVAL SUNSHINE

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Turistas andam a cavalo na praia de Half Moon Cay, ilha privada dos cruzeiros da Carnival nas Bahamas; é a única dos quatro destinos do cruzeiro nudista Carnival Sunshine em que se pode ficar nu à vontade – Beyond My Ken/Wikimedia Commons

Half Moon Cay (Bahamas)
É a ilha privada dos cruzeiros da Carnival e a única dos quatro destinos do navio em que se pode ficar nu à vontade. Aqui são oferecidos mergulhos e passeios a cavalo (inclusive dentro do mar) por preços um pouco mais em conta do que nas outras paradas (em média US$ 100, ou R$ 376)

Ocho Rios (Jamaica)
Como as praias na cidade são propriedade privada, ou se paga para aproveitar a brisa caribenha ou se zanza por ruas em que é impossível dar um passo sem ser abordado, numa persistência que beira a amolação, por pessoas tentando vender aos visitantes algum tour (ou mesmo cigarros de maconha)

Ilhas Roatán (Honduras)
Esta praia naturista tem acesso livre para os cruzeiristas. Os avisos históricos do local costumam causar tanta comoção quanto uma liquidação de casacos na trupe nudista, mas vale ler a placa sobre uma possível origem da palavra “Caribe”: ela seria usada por espanhóis para descrever povos canibais

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Passeio de caiaque no Chankanaab Beach Adventure Park, em Cozumel – Divulgação

 

Cozumel (México)
A ilha mexicana a 60 quilômetros de Cancún é famosa pela sua barreira de corais, uma das maiores do mundo. O snorkel ou mesmo passeios em minissubmarinos são uma ótima pedida na região. Mas tente agendá-las antes do tour de degustação de tequilas, igualmente indispensável.

FOLHA

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