Por que os EUA acreditam que a Rússia está “hackeando” a eleição presidencial americana
Em meio aos escândalos sexuais que deram o tom no debate dos candidatos à presidência dos Estados Unidos, na última segunda-feira, hackers roubaram a cena por alguns minutos.
Hillary Clinton e Donald Trump trocaram farpas a respeito da acusação de que agentes virtuais a serviço do governo russo estariam tentando influenciar a eleição de 8 de novembro. Durante o fim de semana, o chefe do principal serviço de inteligência dos EUA tinha acusado o primeiro escalão de Moscou pelas intrusões – incluindo relatos de haqueamento de registros eleitorais em dois Estados.
A história teve início em maio, quando o Comitê Nacional do Partido Democrata desconfiou de algo errado em sua rede de computadores e pediu uma auditoria a uma firma de segurança eletrônica. A varredura encontrou dois grupos de hackers no sistema, um deles já presente há quase um ano.
“Descobrimos que a rede tinha sido invadida e comunicações, bem como perfil de candidatos (os EUA também terão eleições legislativas no mês que vem) tinham sido examinadas”, disse à BBC o chefe segurança da empresa Crowdstrike e ex-diretor do FBI Shawn Henry.
“Acreditamos que o governo russo esteja por trás da operação e que esteja envolvido em uma campanha de obtenção de inteligência contra candidatos”.
Ataques agressivos
Mas depois de o partido e a Crowdstrike se pronunciarem publicamente, parte do material foi publicado na internet, o que mudou o foco da simples espionagem para o que parece ser uma operação de influência.
Especialistas de inteligência no Ocidente há algum tempo têm alertado para este tipo de atividade ligada à Rússia. “Estamos vendo um uso mais aberto e agressivo de ataques cibernéticos, em que a informação se transforma em uma arma de influência”, explica David Omand, ex-diretor do GCHQ, um dos principais departamentos de inteligência do Reino Unido.
Na sexta-feira, o chefe do Departamento de Inteligência Nacional dos EUA, James Clapper, disse abertamente que o roubo de informações tinha como objetivo “interferir no processo eleitoral”.
“Esses roubos não coisa nova para Moscou. Os russos já usaram técnicas similares na Europa e na Ásia, por exemplo, para influenciar a opinião pública por lá. Dado o escopo e a sensibilidade dessas informações, acreditamos que apenas autoridades do alto escalão do governo russo poderiam ter autorizado essas atividades”, disse Clapper, em um comunicado.
O governo russo rejeita as acusações, que chamou de “sem sentido”.
Cercos
Uma preocupação adicional das autoridades americanas é que a informação roubada possa ser adulterada antes de vazada – dados falsos podem ser infiltrados em meio aos genuínos e pode ser divulgado sem que as pessoas tenham chance de verificá-los.
Alguns Estados americanos relataram tentativas de invasão em seu banco de dados de eleitores, mas as autoridades de inteligência se recusaram a culpar Moscou por elas. Informaram ainda que seria muito difícil para alguém realizar fraudes eleitorais por causa de proteção contra ataques cibernéticos e a descentralização do sistema de contagem de votos.
Mas mesmo a mera possibilidade de invasões pode ser suficiente para causar problemas em um ano eleitoral e em que a disputa pela presidência está longe de ser considerada simples.
“A única razão que vejo para alguém fazer isso é tentar semear dúvidas sobre o resultado da votação. Se você está em um distrito eleitoral que usa urnas eletrônicas e você sabe que o sistema foi invadido, você vai realmente confiar no resultado? Eu vejo uma série de razões pelas quais a Rússia adoraria causar este tipo de inconveniência aos EUA”, diz David Omand.
Corrida cibernética
A Rússia é pioneira em técnicas híbridas de guerra, como mostrou em conflitos recentes na Geórgia e Ucrânia.
Os serviços de inteligência do país têm ainda uma longa história de “operações de influência” desde a Guerra Fria. Porém, o ciberespaço oferece novos meios de perseguir essa agenda.
E especialistas se preocupam com uma corrida armamentista cibernética quando os americanos responderem aos ataques.
“Precisamos de uma discussão diplomática sobre o que é aceitável ou não. Ou veremos uma corrida armamentista no ciberespaço que não será boa para ninguém”, diz Shawn Henry.