Articulação Moro-Huck para eleição de 2022 inclui Doria e vê Ciro à frente de Lula
A articulação do chamado centro político para enfrentar tanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quanto a esquerda em 2022 aproximou três nomes obrigatórios em conversas sobre o tema: João Doria, Luciano Huck e Sergio Moro.
A trinca combinou que irá jogar junto na montagem de uma frente oposicionista para a eleição presidencial.
Na primeira quinzena de setembro, o governador tucano de São Paulo recebeu em sua casa o ex-ministro da Justiça e sua mulher, Rosângela.
Num jantar, conversaram sobre a conjuntura política e a necessidade da união de nomes para fazer frente principalmente a Bolsonaro.
O diagnóstico compartilhado pelos dois é o mesmo: o Brasil vive uma entropia política e 2022 pode viver uma repetição do embate entre a direita populista representada pelo presidente e algum nome do campo à esquerda.
Hoje, o político deste campo mais citado em conversas não é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de resto ainda inelegível, mas sim Ciro Gomes (PDT).
Moro teve a mesma conversa com Huck em outubro, conforme a Folha revelou.
Doria havia falado sobre o tema com o apresentador da TV Globo em um jantar em Davos, na Suíça, durante a edição de janeiro passado do Fórum Econômico Mundial.
No evento, feito em um hotel e à margem da programação oficial do Fórum, cerca de cem convidados eram divididos em mesas sob orientação de um anfitrião por grupo.
Doria era um deles, e convidou Huck e o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM).
O tucano discorreu sobre o que via como um desastre anunciado do governo Bolsonaro, e isso antes da pandemia do novo coronavírus que viria a abater Mandetta. No mesmo salão, em outra mesa, estava o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Aliados de Doria acreditam que a frente é inevitável, dada a resiliência de Bolsonaro em pesquisas de opinião pública e o que consideram risco de organização mínima na esquerda.
Quando os encontros ocorreram, o pleito presidencial americano ainda estava em banho-maria, mas a vitória do democrata Joe Biden sobre o republicano Donald Trump agora é vista como um símbolo, apesar das diferenças óbvias entre os países.
Biden só chegou forte na eleição da semana passada porque uniu as diversas facções de seu partido. A narrativa não é tão cristalina, em se tratando de Brasil.
Doria, que saiu de uma carreira empresarial para duas vitórias seguidas (prefeito em 2016 e governador dois anos depois) em São Paulo, é visto com uma calculada desconfiança por parceiros do centro.
Em entrevista à revista Veja, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que seu partido prefere Huck como candidato.
Mas acha que o apresentador tem uns seis meses para enfim se decidir. A ala histórica do PSDB, encarnada no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda se encanta com a possibilidade de o global ser candidato.
Para aliados do governador paulista, Maia apenas está elevando seu cacife na negociação, como já fez no passado ao se insinuar candidato a presidente em 2018, só para apoiar a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB).
A posição de Moro, que saiu do governo Bolsonaro atirando contra o ex-chefe, é central nesse equilíbrio.
Ele é odiado por forças orgânicas da política brasileira, como os partidos do centrão (Republicanos, PP e afins), dado sua agenda antipolítica moldada como juiz ícone da Operação Lava Jato.
Isso dificultaria tremendamente uma empreitada presidencial. Pessoas que conhecem Moro, muito popular, dizem que ele está cauteloso com toda a articulação.
Interlocutores de Doria acreditam que o ex-juiz não integraria nenhuma chapa, mas seria nome forte de um eventual novo governo na área em que as três figuras concordam, a da justiça e da segurança pública.
O tucano, por sua vez, está em plena articulação. Ele costurou pessoalmente o apoio de partidos do centrão, do MDB e do DEM à candidatura à reeleição do prefeito Bruno Covas (PSDB) na capital paulista.
O arranjo envolve a disputa pela sucessão de Maia em fevereiro, que pode ou não envolver o próprio, e a entrega do governo paulista ao DEM em 2022 na figura do vice de Doria, Rodrigo Garcia, que disputaria a reeleição se Doria for candidato a presidente.
O MDB é uma das alternativas para a Câmara, na pessoa de seu presidente, Baleia Rossi, e já abocanhou o cargo de vice de Covas.
O caso de Huck, por sua vez, é mais complexo. Ele havia se retraído no começo do ano, e passou em branco como figura pública na pandemia.
Aliados seus acreditavam que ele tinha desistido, assim como em 2018. De dois meses para cá, as coisas mudaram.
Uma articulação empresarial em torno de seu nome ganhou corpo, envolvendo nomes como Abílio Diniz e Pedro Parente, que são aliados no comando da gigante de proteína animal BRF.
Parente é figurinha carimbada do PSDB, e tem uma longa parceria com Andrea Calabi, o padrasto de Huck.
Ex-chefe da Casa Civil de FHC, Parente é muito próximo da TV Globo, empregadora do apresentador, e ocupou a chefia da retransmissora do grupo no Sul, a RBS.
Desde o ano passado, o empresário é sócio da EB Capital, gestora da família Sirotsky, dona da RBS. Huck é garoto-propaganda da BRF, empresa da qual Parente é o presidente do Conselho de Administração, e recebeu um cachê estimado no mercado em R$ 30 milhões em 2019.
Assim, chamou a atenção a série de entrevistas da esposa do apresentador, a também global Angélica, na qual basicamente ela o liberava para ser candidato.
Em 2018, o fator familiar foi central para demover Huck: além do bombardeio pessoal que sofreria, ambos os apresentadores teriam de renunciar a seus postos milionários na Globo.
Segundo a Folha ouviu de executivos ligados à emissora, isso agora está superado.
Se antes a Globo não gostaria de ter um candidato associado à sua imagem, a animosidade com o governo Bolsonaro praticamente obriga o oposto: o presidente promete complicar o máximo possível a renovação da concessão pública da TV em 2022, ainda antes da eleição.
Com tudo isso, o jogo Doria-Huck-Moro está apenas começando.
Todos concordam no básico: denunciar o que consideram autoritarismo do governo Bolsonaro, defender uma agenda econômica liberal e enfatizar o combate à pobreza e à corrupção.
Se tantos egos e projetos cabem no mesmo escaninho, é algo ainda incerto. Por ora, todos concordam que não se deve falar num nome para encabeçar a tal frente, e ninguém falará sobre o assunto publicamente.