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Técnico que também é zelador e Festa do Frango: assim é a vida no Defensores de Pronunciamiento, rival do River na Copa Argentina

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Para quem entra em Pronunciamiento, na província argentina de Entre Ríos, após andar duas quadras por uma de suas características diagonais, infiltrar-se na praça central e pegar à esquerda na Rua Juana Deymonaz, apenas mais um punhado de manzanas são necessárias até que se chegue ao estádio do Defensores. E exatamente aí já começa a acabar a área urbana do município, com cerca de 2500 habitantes, que ocupariam menos de 5% da capacidade do Monumental de Núñez, a portentosa residência do adversário dessa noite, pela Copa Argentina. A partida acontece às 21h10, no estádio Florencio Sola, do Banfield.

Em que pese a existência de uma estrutura administrativa, a localidade funciona e se enxerga como um povoado, onde os gauchos transitam solenemente com seus cavalos e a Festa Provincial do Frango é uma das grandes atrações do ano, realizada exatamente no estádio do Depro (como é chamado o clube, sigla que torna mais ágil a referência ao Defensores de Pronunciamiento). Pois a letárgica e quase pastoril rotina pronunciamientense recebeu um chacoalhão de prender a respiração quando, ainda no início de 2020, o sorteio colocou no caminho do acanhado clube do pueblo ninguém menos que o gigante, cosmopolita e viajado River Plate.

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A fatídica bolinha do sorteio ecoou como uma revolução anímica no povoado, que passou a receber a atenção de todos os grandes veículos esportivos da Argentina, e o histórico embate pela fase de 32 avos de final, mesmo que o jogo já estivesse destinado a campo neutro, logo ganhou ares de evento de incalculáveis proporções para a liturgia de Pronunciamiento. Mais que as festas para San José e Santa Teresita, padroeiros da cidade. De importância superior, arriscaria dizer, até mesmo à Festa do Frango.

A suspensão do calendário pela pandemia apenas prolongou a expectativa, especialmente para os jogadores do Defensores, clube fundando em 1972 que apenas há seis anos passou a conviver com o profissionalismo, quando subiu para o Torneo Federal A, a terceira divisão do futebol argentino, após decadas envolvido somente com os perrengues entrerrianos. O Depro nasceu da fusão de San José e Juventud, que apesar da acérrima rivalidade perceberam que não fazia sentido a existência de dois clubes em uma comunidade que, na época, contava com quinhentas pessoas.

A distância entre os clubes é quase tão impossível de alcançar a olho nu quanto os trezentos quilômetros que separam a Capital Federal do povoado de Pronunciamento, nome que faz referência à proclamação do General Justo José de Urquiza, em 1951, que abriria caminho para a derrocada da ditadura de Juan Manuel Rosas e a conformação da República Argentina. O clube entrerriano gasta uns 35 mil reais por mês para garantir o funcionamento de toda a instituição, valor que não chega a 1% do que os millonarios do norte porteño investem apenas no futebol.

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Essa discrepância faz surgirem histórias de dificuldade e abnegação dos jogadores do Depro, que programa seus treinos para a tarde para que os atletas tenham tempo de se dedicar a outros trabalhos — dois deles, por exemplo, trabalham em uma serraria, alguns se dedicam à lida no campo e outro atende numa ferragem. Para vestir a camisa azulgrana, recebem entre 400 e 1600 reais por mês. Até começar a pandemia, o técnico Sergio Chitero era jogador, mas precisou pendurar los botines para procurar outras fontes de renda e sustentar a família. Tornou-se zelador de edifícios e também passou a trabalhar na administração de uma escola. Ele fará sua estreia no comando do Defensores justamente no épico embate contra a esquadra de Marcelo Gallardo, de quem é fã, mas não se deixa melindrar pela roleta do destino: “Hoje sei que vou dirigir a equipe contra o River Plate, mas amanhã posso voltar a recolher o lixo de um edifício”.

Os millonarios já avisaram que vão presentear os rivais com suas camisas, para que levem o recuerdo daquela que provavelmente será a partida mais significativa de suas vidas, e mesmo os cerca de R$ 40 mil reais do prêmio pela classificação talvez tenham como destino o caixa do Depro, não interessa o resultado. Ou pelo menos assim pediu Elvio Bordet, pai do governador de Entre Ríos, que pela primeira vez na vida não torcerá pelo River Plate.

Com a subida para a terceira divisão e duelos mais vultosos se anunciando, o Depro tratou de promover melhorias no Estádio Delio Esteban Cardozo. Nada comparado às monumentais obras que promovem os grandes clubes, mas uma tribuna aqui e uma torre de iluminação por ali já dão novos ares ao palco que ainda não conta com arquibancadas na maioria de sua extensão, o que permite que torcedores estacionem o carro quase ao lado do campo para assistir aos jogos tomando mate e comemorar os gols azulgranas afundando a mão na bozina.

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O nome da cancha homenageia ainda em vida o maior artilheiro da história do clube, que hoje tem 64 anos e trabalha em um caminhão de coleta de resíduos da cidade. Era um atacante de cátedra superior, afirmam seus contemporâneos, que chegou a despertar o interesse de San Lorenzo e Independiente, mas sempre preferiu ficar em Pronunciamiento. Delio precisava cuidar da mãe, pois a vida desde sempre lhe fora dura demais — seu pai e dois irmãos cometeram suicídio, como nos conta essa matéria do La Nación. Para continuar a dinastia com a camisa azulgrana, hoje à noite seu sobrinho Ezequiel Cardoso estará no estádio do Banfield, para enfrentar o River Plate.

Em Pronunciamiento, as coisas sucedem nesse clima estreito e familiar. Quem sai de casa para comprar uns inofensivos parafusos na ferragem talvez acabe sendo atendido pelo meio-campista que marcou um gol antológico no último domingo. O atual vice-presidente do Defensores, Yari Gurnel, por exemplo, durante mais de dez anos foi ao mesmo tempo atacante e presidente. Hoje, seu filho, que vive de ser zagueiro mas também de cortar madeira, estará em campo para tentar segurar um time quatro vezes campeão da America.

Na manhã de terça-feira, bem cedo irrompeu pelas ruas de chão batido do povoado um cortejo que acompanhava os dois ônibus que levariam os jogadores rumo ao sul de Buenos Aires. Em êxtase, os participantes da caravana saudavam o time, que partia para aventuras nunca antes imaginadas, mas possivelmente também algum amigo ou parente que a bordo de um Flecha Bus deixava os tímidos limites do município para entrar na história. Eram bicicletas, carros particulares e até um caminhão de bombeiros, que acionou a sirene sem piedade para avisar a todo o povo que algo muito importante estava ocorrendo.

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