Variante lambda avança na América do Sul enquanto mundo olha para a delta
Se para o mundo a mais recente ameaça ligada à Covid-19 é a variante delta, na América do Sul as atenções se voltam para uma cepa bem menos conhecida: a lambda.
Identificada pela primeira vez em agosto do ano passado no Peru, a lambda foi classificada em meados de junho como variante de interesse, ou seja, que deve ser estudada e acompanhada.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a cepa foi associada a taxas importantes de transmissão comunitária em diversos países, enquanto havia também um crescimento da incidência da Covid-19 nesses locais.
O mesmo relatório do órgão afirma que mais de 1.730 sequências da lambda originadas de 31 países, territórios e áreas foram enviadas à Gisaid, plataforma que compila dados de genomas.
Ainda que não figure no topo das cepas consideradas mais perigosas, classificadas como variantes de preocupação pela OMS (casos da alfa, beta, gama e delta), a lambda tem ganhado terreno na América do Sul, onde sua incidência é significativa.
“Para ser uma variante de preocupação, é preciso ter uma circulação comunitária importante, e neste momento [a lambda] não tem”, diz Jamal Suleiman, infectologista do Hospital Emílio Ribas.
Ele também afirma que, para ser uma variante de preocupação, a lambda precisaria ter diferenças em relação a outras mutações em circulação, como uma maior capacidade de infecção, o que aumentaria a sua propagação entre as pessoas, maior gravidade da doença ou ainda características clínicas que comprometam outras esferas da pessoa que é infectada, como apresentações cutâneas ou neurológicas diferentes do que se viu até então em outras cepas.
O país com a maior presença de lambda até o momento é, proporcionalmente, o Peru, com uma incidência de 40% no acumulado — ou seja, desde a primeira vez que a cepa foi identificada no país. De abril a junho, autoridades afirmaram que 81% dos casos de Covid-19 no país foram dessa variante.
Na sequência vêm Chile (21%), Equador (11%) e El Salvador (3%), segundo dados do Outbreak Info, iniciativa que compila informações genômicas do Gisaid, recolhidas de 172 países.
“Na Argentina, em certo momento, a lambda chegou a ser um terço [das infecções] na região metropolitana de Buenos Aires”, diz Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-ômica BR-MCTI, um projeto de laboratórios que sequencia os genomas de amostras do Sars-Cov-2 no Brasil.
O relatório da OMS também mostrou que, desde a terceira semana de fevereiro de 2021, a presença da lambda na Argentina vinha crescendo.
Já em recente relatório do Ministério da Saúde peruano, divulgado na última quarta-feira (18), a lambda respondeu por mais da metade (54,7%) das amostras analisadas, seguida pela gama (15,9%), identificada inicialmente no Brasil.
Essa combinação pode significar um cenário difícil, segundo alertou o coordenador do Laboratório de Genômica Microbiana do Peru, Pablo Tsukayama, em entrevista à BBC News Mundo. “Os países que tiveram essas duas variantes passaram de uma situação ruim para uma de descontrole, com segundas ondas muito mais severas.”
Mas para Spilki, o ápice de transmissão por lambda em países como Peru e Argentina foi de abril a julho deste ano e, atualmente, a taxa de infecção por essa variante está em declínio e existem indícios do aumento do número de casos por delta.
A delta, identificada originalmente na Índia, está ligada a apenas a 1,9% dos casos no Peru. Ainda assim, o ministro da pasta, Hernando Cevallos, alertou na última semana sobre a presença dessa variante. “É importante que tomemos consciência. Estamos frente a uma alta possibilidade de ter iniciado a terceira onda em nosso país”, disse, segundo o jornal El Comercio.
Em queda até o fim de julho, a média móvel de casos no Peru chegou a aumentar no início deste mês, já voltando a cair nos últimos dias. No domingo (22), a taxa foi de 1.191 novas infecções. A média móvel de mortes vem no mesmo ritmo, e o índice chegou a 69 no mesmo dia.
Os números estão longe do pico de 874 óbitos e quase dez mil casos registrados em abril deste ano, mas o surgimento de variantes é um novo obstáculo no avanço da pandemia.
No caso da lambda, a OMS apontou que as mutações presentes podem significar maior transmissibilidade e aumento da resistência a anticorpos neutralizantes, aspecto ligado à eficácia dos imunizantes. A organização alertava, porém, que mais estudos eram necessários para entender esses pontos.
Uma pesquisa divulgada no início do mês, por sua vez, confirmou os receios da OMS de que a lambda seria mais transmissível e resistente às vacinas. O estudo feito por pesquisadores japoneses ainda depende de validação pelos pares.
Para a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da rede Análise Covid-19, é importante notar que, apesar dessa resistência, as vacinas testadas até o momento mostraram manter alguma proteção, principalmente em casos graves. “É uma variante que precisa ser monitorada”, diz. “Mas não parece ser algo como a delta, então é pouco provável que ela ganhe muito espaço.”
Dutra destaca ainda que o cerne do problema é a transmissão, já que as variantes competem entre si dentro de um mesmo ambiente, com as mais aptas se tornando prevalentes.
“Sabemos que é por conta da aceleração da transmissão que o risco de novas variantes surgirem aumenta. Para contornarmos essa situação e construirmos nossa porta de saída da pandemia, precisamos solidificar nosso caminho, com vacinação em massa e medidas não farmacológicas de controle, como o uso de máscara e distanciamento físico.”
No contexto brasileiro, Fernando Spilki afirma que a lambda nunca se equiparou à situação da delta ou da gama, outra variante que continua tendo grande proeminência no país.
“Até o momento, a gama foi, sem dúvida, a mais importante, agora temos uma escalada da delta, mas efetivamente a lambda nós não temos encontrado ao longo do tempo.”
Segundo dados da Rede Corona-ômica BR-MCTI, em 18 de agosto de 2021, existiam 29.447 genomas sequenciados no país. Destes, somente 6 eram da lambda, enquanto a delta tinha 79 e a gama contava com 17.507.
“Como tem poucos casos da lambda, não dá para tirarmos conclusões ainda [sobre os efeitos das alterações nessa variante]”, afirma Luiz Henrique Nali, doutor em medicina tropical com ênfase em virologia pela USP e professor da Universidade de Santo Amaro.
Ele explica que o Brasil tem pouca capacidade de rastreio das variantes que circulam no país e, sem esses dados, é difícil entender o comportamento específico de cada uma delas.
FOLHAPRESS