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O simbólico caso McCulloch vs Maryland por Thomas Batinga

thomas-batinga O simbólico caso McCulloch vs Maryland por Thomas BatingaConheça um pouco do caso da Suprema Corte dos EUA responsável pela consagração da Teoria dos Poderes Implícitos, Imunidade Tributária Recíproca e do Pacto Federativo Norte Americano

A Suprema Corte dos Estados Unidos da América sempre proporcionou decisões de emblemáticos casos, que refletem, e influenciam até hoje, o mundo jurídico, especialmente no Brasil.

A referida decisão do título foi responsável por solucionar alguns problemas, dentre eles: o conflito federativo, a soberania dos Estados-membros, a imunidade tributária recíproca e pela consagração da ‘’teoria dos poderes implícitos’’, utilizada pela nossa Corte Suprema em algumas decisões.

Ao contrário do Brasil, a forma de estado federativa dos Estados Unidos se deu de forma centrípeta (de fora para dentro), os estados-membros abriram mão de parte de sua soberania e autonomia em face de um poder central, porém, não houve consenso, sendo marcado pelos embates e antagonismo dos entes que defendiam um governo central forte (federalistas) e os que defendiam a soberania dos Estados frente ao governo central (antifederalistas)

O art. I, da Seção 8 da Constituição norte americana abordava as competências do Congresso Nacional, havendo a previsão de uma cláusula denominada ‘’necessary and proper’’, que aparecia com a seguinte literalidade:

To make all Laws which shall be necessary and proper for carrying into Execution the foregoing Powers, and all other Powers vested by this Constitution in the Government of the United States, or in any Department or Officer thereof ” (elaborar todas as leis necessárias e apropriadas ao exercício dos poderes acima especificados e dos demais que a presente Constituição confere ao Governo dos Estados Unidos, ou aos seus Departamentos e funcionários)

Foram dadas interpretações diversas ao verdadeiro significado do enunciado, afinal, havia um grande grau de abstração, de um lado defendiam que era conferido a União apenas poderes taxativamente enumerados pela Constituição, e do outro lado, os que admitissem todos os meios necessários e apropriados para garantir a execução das competências estabelecidas para União.

Os Estados Unidos enfrentavam dificuldades financeiras. Por isso, Alexander Hamilton e Robert Morris defendiam a criação de um banco nacional, ambos defensores da corrente federalista. George Washington assinou um documento criando o Treasury Department (Departamento do Tesouro), em 1789, nomeando Hamilton para comandar esse departamento. Os problemas enfrentados por esse órgão foram resumidamente três: reparar o crédito público, cultivar e proteger fluxos de receita do novo governo e criar uma autoridade central para gerir as finanças estatais e conduzir a economia. (KILLENBECK, c2006, p. 11-12)

No ano de 1791, a partir dessa clausula, foi criado o Primeiro Banco dos EUA, sendo concedida uma vigência pelo prazo de vinte anos, formulando-se assim a tese dos poderes implícitos, na qual os órgãos de Estado poderiam se utilizar de quaisquer meios que entendessem como ‘’necessários’’ para o exercício de suas atribuições, observando-se os limites da lei.

Todavia, após os vinte anos de previsão, o banco foi extinto, pois o Congresso não a renovou. Diante da situação, diversos Estados da federação criaram seus próprios bancos públicos como forma de dar primazia a sua autonomia financeira e administrativa, todavia, a falta de uma regulamentação geral unificada ensejou a problemas no sistema bancário norte-americano.

Diante desse cenário, e após instabilidade econômicas, o então presidente James Madison obteve autorização do Congresso para a fundação do Segundo Banco dos Estados Unidos, gerando revolta nos entes federativos, fazendo com que muitos até proibissem que filiais fossem instaladas dentro do seu território.

Como represália, alguns Estados passaram a tributar de forma desproporcional as filiais, limitando o funcionamento e autonomia da instituição financeira. O estado de Maryland, estabeleceu a penalidade de US$100 para cada nota emitida sem o recolhimento do tributo, todavia, o responsável por essa filial da agência do Banco nacional, James W. McCulloch, recusou-se a seguir as regras impostas por Maryland, o que resultou na demanda judicial. Portanto, o caso McCulloch v. Maryland, inicialmente foi uma ação de débito contra James W. McCulloch em razão do não recolhimento do tributo que incidia sobre as notas produzidas.

Após a judicialização, todas as instâncias do tribunal estadual de Maryland foram unânimes, determinando que, McCulloch deveria pagar todos os tributos. Devido a isso, foi interposto recurso para a Suprema Corte, sendo nomeado John Marshall, presidente da Suprema Corte (Chief Justice), foi o responsável por redigir a decisão. O julgamento foi marcado por intensos e calorosos debates entre federalistas e antifederalistas acerca da constitucionalidade dos bancos, e do poder estatal dos entes em tributar.

Os lados dos federalistas defendiam os seguintes pontos:

1- A cláusula do ‘’necessary and proper’’ abrangia todos os meios que o Congresso julgasse como necessários e apropriados para o exercício de das competências. Desse modo, existiriam poderes constitucionais implícitos que incluiriam os instrumentos utilizados para alcançar as finalidades impostas pela Constituição, cujo objetivo era levar aos efeitos desejados não seria passível de julgamento pelo Judiciário.

2- Defendiam que já se encerrara o debate sobre a constitucionalidade da criação do banco, pois sua legitimidade era unânime entre todos os Poderes Constitucionais.

3- Já sobre o poder de tributar dos entes, alegavam que, caso fossem ilimitados, implicariam a capacidade de impossibilitar o equilíbrio federativo, comprometendo a União no exercício de suas prerrogativas. Por fim, contestavam o argumento do poder recíproco de tributação, devido ao fato de o poder central representar o povo em sua totalidade, enquanto os estados representavam somente uma parcela dessa unidade.

Já os antifederalistas defendiam os seguintes contrapontos:

1- Toda medida não contida expressamente na lista de competências da União e de seus órgãos seria inconstitucional, apoiando-se nos escritos dos founding fathers. Eles sustentavam que o precedente da criação do primeiro banco em 1791 não se aplicaria ao caso, já que naquela época as circunstâncias econômicas e sociais da nação impunham uma atitude mais intervencionista do governo, o que não se justificaria a criação do segundo banco.

2- Já sobre poder de tributar do estado, alegavam que tal poder seria ilimitado, e não haveria qualquer justificativa para a inaplicabilidade da tributação ao banco, sobretudo porque a União já havia taxado as instituições financeiras estaduais, portanto, a solução seria a mútua confiança entre os entes federativos, a qual não dependia da inconstitucionalidade dos tributos instituídos, na qual segundo o Artigo I, Seção 10, os Estados não precisam de autorização do Congresso para impor tributos ou deveres a não ser quando necessário para execução de suas leis de inspeção.

John Marshall presidente da Suprema Corte redigiu a decisão (1819), fundamentando os seguintes pontos:

1- Sobre a constitucionalidade da criação do banco que tinha sido exaustivamente discutida pelos Poderes Constitucionais, sobretudo pelo Legislativo e pelo Judiciário, portanto, não havia qualquer óbice para sua criação.

2- Acerca da Constituição, defendeu que não era simplesmente um pacto entre estados soberanos, e sim um documento assinado pelo povo, confiando a União os mais importantes poderes.

3- Afirmou que, a Constituição não previa expressamente a criação de um banco nacional, porém, a mesma não vedava, estabelecendo a premissa que aquele que tem o poder de realizar algo detém também o poder de escolher os meios aptos a atingir um fim dado pela Constituição, desde que não proibidos, são constitucionais, denominado como teoria dos poderes implícitos.

4- De acordo com o Chief of Justice, a Constituição trazia apenas os diretrizes gerais e objetivos principais, sendo que os detalhes deveriam ser deduzidos das disposições constitucionais e da própria natureza dos objetos em discussão, estabelecendo que a mesma não era um diploma detalhado e prolixo, mas um texto normativo de conteúdo mais aberto e interpretativo

5- Sobre à tributação, Marshall aderiu a tese da imunidade tributária reciproca, sobre patrimônio, renda e serviços, limitando o poder de tributar, embora seja um ato de soberania dos Estados, seria hostil e colocaria em risco o pacto federativo.

Killenbeck (c2006, p. 183) disserta que o caso McCulloch v. Maryland foi importante, pois assegurou o futuro da nação, já que conferiu a União necessária, assegurando a consolidação do federalismo norte-americano.

Esse emblemático caso trouxe reflexos para o direito brasileiro, destarte a imunidade tributária recíproca, prevista desde a constituição de 1891, que trouxe fundamentação a diversas decisões do STF.

Acerca da teoria dos poderes implícitos, foi aceita doutrinariamente e na jurisprudência, aparecendo como argumento importante na defesa do poder investigatório do Ministério Público. A Constituição de 1988 atribuiu ao órgão ministerial no art. 129I, a competência privativa de promover a ação penal pública, mas não lhe previu explicitamente o poder de investigar os fatos aos quais tem o poder de denunciar. Portanto, surge um problema semelhante ao de McCulloch v. Maryland, na qual o Ministério Público tem o poder implícito investigatório, já que detém a competência privativa de promover a ação penal pública e, assim, a investigação seria um meio para execução daquele fim.

A ministra Rosa Weber, dissertou que:

Não lhe atribuiu expressamente poderes de investigação, é certo. Entretanto, na esteira do argumento de Marshall, a Constituição não é um corpo de normas fechado, a se interpretar no sentido de que teria esgotado toda regulação normativa das relações entre sociedade e Estado.

[…]

Assim, se a Constituição atribuiu ao Ministério Público a persecução penal, implicitamente lhe conferiu os meios para desempenhá-la a contento, o que inclui a colheita de elementos informativos necessários à configuração da justa causa para a ação penal (BRASIL, 2015b, p. [239-240]) (grifos nossos)

O STF decidiu a questão, em sede de repercussão geral, no RE 593.727. O ministro Gilmar Mendes consagrou novamente a teoria dos poderes implícitos. Isso significa que a outorga de poderes explícitos, ao Ministério Público, tais como aqueles enunciados no art. 129, incisos IVIVIIVIII e IX, da Constituição da Republica, supõe que se reconheça, ainda que implicitamente, aos membros do MP, a titularidade de meios destinados a viabilizar a adoção de medidas vocacionadas a conferir real efetividade às suas atribuições, permitindo, assim, que se confira efetividade aos fins constitucionalmente reconhecidos ao Ministério Público.

O desfecho do caso ‘’McCulloch v. Maryland’’ foi importante para a consolidação do governo federal norte-americano. Ademais, a decisão consolidou a teoria dos poderes implícitos, e da imunidade tributária recíproca, além disso, aprimorou as instituições jurídicas que porventura vieram a aparecer, consagrando o princípio federativo e sua organização, e o fortalecimento de um governo central.

Thomas Batinga

O Pipoco

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