Rússia quadruplica ataques e toma cidade em ofensiva no leste da Ucrânia
A Rússia confirmou nesta terça (19) ter iniciado a batalha pelo controle do leste da Ucrânia, o Donbass, e disse ter quadruplicado o número de alvos militares atingidos no país em relação à madrugada anterior.
As forças russas estão bombardeando posições em toda a região, e pelo menos uma cidade foi tomada ao norte, iniciando o que sugere ser um movimento para contornar a antiga divisa entre as áreas separatistas do Donbass e as controladas por Kiev, visando ao cerco de talvez 40 mil militares ucranianos.
A batalha em si começou com um amplo bombardeio de 315 alvos com mísseis na segunda (18), segundo o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, afirmou em seu pronunciamento noturno. Nesta terça, o chanceler russo, Serguei Lavrov, rompeu o silêncio e disse em tom eufemístico que “outro estágio dessa operação está começando e estou certo de que será um momento especial” a uma TV da Índia.
Nesta manhã (madrugada no Brasil), o Ministério da Defesa da Rússia afirmou ter atingido 1.260 alvos militares, quatro vezes mais do que na segunda-feira, com mísseis e artilharia. Contudo, os ataques parecem concentrados nas porções leste e sul do país, regiões com grande controle russo.
A aviação tática, por sua vez, atacou 60 pontos, como lançadores de mísseis, e derrubou um caça MiG-29 ucraniano, segundo o relato, no Donbass. A área, que antes da guerra tinha cerca de 4 milhões de habitantes no lado pró-Rússia, é um dos motivos centrais do conflito para o governo de Vladimir Putin, ao lado da ideia de desmilitarizar a Ucrânia e impedi-la de aderir à Otan, a aliança militar ocidental.
Mais importante, ao fim da manhã (início do dia no Brasil), os russos tomaram Kreminna, cidade de 18 mil habitantes ao norte de Severodonetsk. “Kreminna está sob controle dos orcs [vilões monstruosos da saga ‘O Senhor dos Anéis’, como muitos ucranianos chamam os russos]”, disse o governador da província de Lugansk, Serhii Gaidai.
É a primeira vitória do tipo nessa ofensiva, e indica a tentativa de contornar a bem defendida linha de contato, a antiga fronteira nos oito anos de guerra civil entre rebeldes pró-Rússia e Kiev. Houve bombardeios em toda a região, particularmente Marinka, Slavianski e Kramatorsk. Kharkiv, ao norte, está sob intenso fogo, segundo seu prefeito, e ao menos quatro pessoas morreram.
Essas forças, no plano presumido de Moscou, devem se juntar a soldados vindos do sul. Lá, a queda de Mariupol, porto que foi transformado numa ruína após quase dois meses de cerco russo, era esperada para esta terça.
Foi o que anunciou o líder da república russa da Tchetchênia, Ramzan Kadirvov, aliado de Putin com forças na cidade. Não aconteceu. Moscou ofereceu um cessar-fogo aos defensores remanescentes para esta quarta (20), e às Forças Armadas ucranianas como um todo, no que deverá ser ignorada.
Kiev pode ter suas tropas cercadas ou vê-las fugir, nas piores hipóteses. Mas também pode vencer, dado que se estima que Moscou tenha em campo o dobro de atacantes (cerca de 80 mil homens) do que defensores: a teoria militar preconiza uma proporção de 3 para 1 para garantir uma vitória aos agressores.
Mas números e teoria são relativos, a depender da qualidade de treinamento e do equipamento em solo. Um assessor de Zelenski, Oleksii Arestovitch, disse que “a ofensiva vai falhar porque eles [os russos] não têm força suficiente”. Pode ser, mas essa foi a razão central do fracasso do ataque inicial de Moscou, dividido em muitas frentes sem concentração de poder de fogo —é de se especular se Putin cometeria o mesmo erro duas vezes. Arestovitch disse que os russos estão se movendo “cautelosamente”.
De sua parte, a Ucrânia prepara a resistência e recebeu reforço blindado da Polônia e peças de artilharia americanas, uma escalada no nível de ajuda até aqui. Na segunda, o Pentágono disse que há blindados, helicópteros e obuseiros já nas fronteiras do país, prontos para entrar em ação, como parte de um pacote de US$ 800 milhões em apoio anunciado há algumas semanas pelo presidente Joe Biden.
Kiev sinaliza estar viva também. Nesta madrugada, segundo o governo da região russa de Belgorodo, os ucranianos bombardearam com artilharia um vilarejo próximo à fronteira chamado Golovtchino. Trata-se do 12º incidente do tipo na guerra, e três pessoas ficaram feridas, diz o relato.
Para o ministro da Defesa russo, Serguei Choigu, “Washington e alguns países ocidentais querem prolongar a guerra” por motivos próprios. Foi sua primeira declaração em vários dias. Não há confirmação, mas boatos sugerem que ele perdeu boa parte de seu status pelo desempenho inicial das forças russas.
A expectativa de analistas é de uma ação diferente agora, já que o Donbass tem cidades menores e mais campo aberto para manobras. Teoricamente, uma vantagem para os russos, apesar da relativa posição numérica em campo.
Em Londres, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse a membros de seu gabinete que a Ucrânia está numa situação “perigosa”. Ele afirmou que Putin está “enraivecido pelas derrotas [no norte do país], mas determinado a clamar algum tipo de vitória independentemente do custo humano”.
Mais tarde, ele participou de uma reunião virtual com Joe Biden (EUA), Justin Trudeau (Canadá) e outros líderes de países da Otan. Nela, todos se comprometeram a fornecer mais artilharia para a Ucrânia, dado que essa é a principal necessidade nessa fase mais convencional do combate.
Boris também disse que está estudando como montar mísseis antinavio Brimstone sobre veículos utilitários, para que a Ucrânia os empregue contra navios russos no mar Negro. Na semana passada, o cruzador Moskva foi afundado —Kiev diz que por seus mísseis, Moscou fala em acidente.
Em um desenvolvimento ainda obscuro, o porta-voz do Pentágono, John Kirby, disse a repórteres que a Ucrânia “hoje tem mais aviões de combate à sua disposição do que há duas semanas”, sem dar nenhum detalhe. A transferência de caças, como os MiG-29 ofertados pela Polônia e vetados pelos EUA, era vista como uma linha vermelha a não atravessar pela Otan para não melindrar os russos. Mas Kirby pode estar falando de drones de combate também.
FOLHA