Guerra na Ucrânia decide futuro da segurança global, diz Zelenski
O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse nesta quinta-feira (31) que se a Rússia tivesse sido punida quando anexou a Crimeia em 2014, a guerra atual, que está em seu 36º dia, não teria acontecido.
“Temos que corrigir esses erros horríveis, e corrigi-los agora”, disse o ucraniano em um discurso ao Parlamento da Austrália.
Para Zelenski, a resposta que a comunidade internacional dá agora à ofensiva de Moscou -que ele considera branda e insuficiente- pode ser determinante em possíveis conflitos futuros.
“Se não paramos a Rússia agora, se não responsabilizarmos a Rússia, alguns outros países do mundo que estão ansiosos por uma guerra semelhante contra seus vizinhos decidirão que essas coisas também são possíveis para eles”, afirmou. “O destino da segurança global está decidido agora.”
Embora não tenha mencionado nenhum país em específico, a declaração pode ser interpretada como um alerta sobre a posição da China em relação a Taiwan.
A tese ganha força a partir de dois fatores: o fato de que Zelenski aposta no uso de referências históricas do passado e do presente dos países que o recebem e a postura recente dos seus interlocutores na ocasião. A Austrália tem vivido uma série de embates em várias frentes contra Pequim e vem expressando preocupações sobre a linguagem cada vez mais agressiva usada pelo regime de Xi Jinping contra a ilha que a China considera uma província rebelde.
Cinco semanas depois da invasão que destruiu cidades inteiras e criou um fluxo de refugiados que já ultrapassa a marca de 4 milhões, Zelenski disse em pronunciamento na Ucrânia que o país está se preparando para receber novos ataques da Rússia na região leste, onde as forças de Moscou agora estariam concentradas depois que sua ofensiva contra Kiev foi freada pela resistência ucraniana.
Ele afirmou que o deslocamento de tropas russas para longe de Kiev e de Tchernihiv não pode ser lido como uma retirada, mas sim como uma “consequência do trabalho dos defensores” ucranianos.
O presidente, por óbvio, tenta ressaltar o papel da resistência das tropas sob seu comando, mas sabe que a realidade é menos romantizada.
A missão do Kremlin na Ucrânia agora se concentra em “libertar” a região do Donbass, no leste do país. Lá estão as províncias de Lugansk e Donetsk, cujos líderes separatistas recebem apoio russo desde 2014 e tiveram sua independência reconhecida por Moscou três dias antes do início da guerra.
Alvo da Rússia há semanas justamente por sua posição estratégica entre o Donbass e a Crimeia, Mariupol segue sob cerco. Em quatro semanas, a maior parte dos prédios da cidade foi destruída. Moscou anunciou um cessar-fogo no local para a instauração de corredores humanitários e, nesta quinta, segundo autoridades ucranianas, um comboio de ônibus deve entrar na cidade para retirar civis que ainda não conseguiram fugir do conflito.
Enquanto isso, as forças russas começam a se movimentar e indicam uma mudança de estratégia: deixar a capital Kiev e focar os esforços justamente em Mariupol e no sudeste ucraniano.
Por isso, o país prepara evacuar mais pessoas de lá. Segundo o prefeito local, cerca de 5.000 pessoas já morreram na cidade.
Ainda nesta quinta, 134 mil reservistas foram recrutados pelo Exército russo, o que levantou o alerta sobre um possível reforço para a guerra. No entanto, o Ministério da Defesa afirmou que a medida não tem qualquer relação com a Ucrânia, reverberando o já dito por Putin anteriormente, de que apenas forças regulares lutariam no front.
Equilibrada entre o apoio à Ucrânia e os laços que tem com a Rússia, a Turquia se tornou agora o palco das negociações para um acordo de paz entre os dois países.
Nesta quinta, o presidente do país, Recep Erdogan, conversou com Zelesnki.
Em um comunicado emitido pelo governo turco após o telefonema entre os líderes, Erdogan teria reforçado a sugestão de que os dois presidentes se encontrassem em seu território e dito ainda que, no país, as negociações deram um “impulso significativo” para por um ponto final na guerra, ainda que essa perspectiva ainda pareça distante do horizonte real.
Enquanto o futuro da guerra segue incerto, o Kremlin respondeu à alegação feita por autoridades ocidentais de que o presidente Vladimir Putin estaria sendo mal assessorado durante o conflito e que, por isso, não estaria consciente do real desempenho de suas tropas.
“Para nosso pesar — e, de fato, isso provavelmente nos causa preocupação — acontece que nem o Departamento de Estado nem o Pentágono têm informações reais sobre o que está acontecendo no Kremlin”, disse o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov.
“Eles simplesmente não entendem o que acontece no Kremlin, não entendem o presidente Putin, não entendem o mecanismo de tomada de decisões e não entendem a maneira como trabalhamos”, afirmou, acrescentando que um mal-entendido como esse pode ter consequências ruins em um contexto de guerra.
Peskov se referia ao fato de que a inteligência dos EUA divulgou que Putin viria sendo enganado por seus generais sobre o péssimo desempenho de seus militares no país vizinho.
“Temos informações de que Putin se sentiu enganado pelos militares russos, o que resultou em tensão persistente entre Putin e sua liderança militar”, disse Kate Bedingfield, diretora de comunicações da Casa Branca, durante entrevista coletiva na quarta-feira (30).
Ainda no campo das acusações, o presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou nesta quinta que Putin estaria “se isolando” e teria demitido e colocado em prisão domiciliar alguns conselheiros. O líder norte-americano, no entanto, não citou qualquer evidência para embasar suas alegações.
Essa é mais uma de uma série de acusações que Biden tem feito contra o líder russo, a quem já chegou a chamar de “ditador” e disse que não podia mais continuar no cargo de chefe de Estado.
Enquanto isso, pelo menos na Rússia, as pesquisas apontam que a aprovação de Putin não para de crescer desde que a guerra começou, em 24 de fevereiro, alcançando o maior patamar em quatro anos.
De acordo com o instituto independente Levada, 83% da população o aprova como presidente — número semelhante ao divulgado anteriormente em pesquisas feitas por entidades pró-governo.
FOLHAPRESS